O fim

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A noite continuou, Hettie conseguiu que Miles superasse muitas "adversidades", fazendo com que ele fosse em todos os brinquedos e atrações principais que o parque tinha a oferecer, como o túnel dos palhaços sanguinários, o labirinto dos assassinos e até a montanha russa dos ossos quebrados. Hettie gargalhava com cada reação assustada de Miles, enquanto ele se indignava que a própria não levasse nem um sustinho se quer. Ela devia ter passado por isso tantas vezes, que já sabia de cor e salteado toda a programação.

-Agora só falta um último lugar - Informou Hettie.

-Qual? - Quis saber Miles.

-A casa assombrada! - Ela parecia bastante animada. - Olhando por fora e só um cubículo minúsculo que mal caberia uma pessoa, mas depois que entra ela fica enorme tem vários andares e cômodos, cada cômodo tem uma criatura diferente que tenta tirar sua alma com cada susto. É um labirinto móvel que te faz perder a esperança de um dia encontrar a saída. Enfim, é a atração que mais gosto de todo o parque. 

-Que tipo de criaturas? - Miles perguntou receoso.

-Tipo minotauros, ogros, trolls… desses tipos. 

Hettie estava tão empolgada que Miles acreditou que não poderia ser tão mal assim. Só havia um pequeno detalhe que Hettie se esqueceu de contar: a tal casa se encontrava no meio de um cemitério, havia lápides, caixões e  zumbis em todas as direções. Miles congelou no momento em que desviou os olhos de Hettie, uma dor aguda atingiu seu peito e então uma grande pressão, como se seu coração estivesse sendo esmagado. Miles hiperventilava, nenhum ar parecia suficiente. Ele estava pálido, não havia uma única gota de sangue em seu rosto, os olhos se perderam no horizonte, Miles estava preso em sua própria paranóia do medo.

-Miles! Miles! Olha pra mim! Está tudo bem, você vai ficar bem!

Hettie tentava acalmá-lo, mas em vão, Miles parecia não ouvi-la e nem vê-la, ele levou a mão ao peito, tremores percorriam todo seu corpo. Suas pernas vacilaram e ele caiu de joelhos. Hettie tentava manter a própria calma, porém nada que ela dizia chegava até ele. A garota se ajoelhou de frente para Miles e segurou seu rosto entre as mãos, mãos quentes e acolhedoras, olhou em seus olhos e só havia pavor. 

-Miles, olha para mim. Eu sou real, seja lá o que tiver em sua cabeça não é. Preste atenção em mim!

Suas palavras não surtiram efeito, uma única lágrima solitária escorreu pelo rosto do rapaz, Hettie se sentiu mal por fazê-lo sofrer assim. Sem mais o que fazer a garota cobriu os olhos de Miles com a mão direita, com a outra puxou-o para perto, em um meio abraço, e alinhou sua boca perto do ouvido dele.

-Miles, - sussurrou ela - escute minha voz, respire fundo e devagar. Você está comigo e está tudo bem, imagine que estamos em um campo aberto assistindo um lindo nascer do sol, não está mais escuro e não há mais nada que você tenha medo.

Miles passou os braços em volta de Hettie em um abraço apertado e gentil, apoiou a testa no ombro da garota e inalou seu perfume floral. Miles era como uma criança assustada precisando de consolo, Hettie afalgou a cabeça dele entrelaçando os dedos entre seus cabelos, os tremores haviam parado, mas a respiração de Miles ainda estava descompassada.

-Me desculpa Miles, eu não deveria ter te trazido a essa parte, não deveria ter forçado a barra. Você estava indo tão bem, não achei que aconteceria isso. Eu sinto muito mesmo, para mim isso aqui é tão normal que não consigo imaginar como pode ser tão assustador para outra pessoa, para você. Desculpa. 

Miles respira fundo, inalando mais uma vez o perfume de Hettie, e afasta o rosto de seu ombro, ele balança a cabeça em negativa requerendo dizer que a culpa não era dela, suas palavras ainda não havia voltado, o semblante de Hettie demonstrava preocupação e culpa.

-Já estou bem agora. - Conseguiu dizer ele por fim.

-Desculpa, eu…

Miles a cala com um beijo, ele não queria ouvir mais desculpas, queria permanecer no campo aberto banhado pela aurora, ou ao menos permanecer com Hettie, queria, mais que qualquer outra coisa, ainda sentir o toque dela. De início Hettie permaneceu imóvel, surpresa com o ato inusitado, mas logo retribuiu o beijo. O calor do contato se espalhou pelos corpos de ambos. Miles não se lembrava mais do cenário a seu redor, todos os seus sentidos se resumiam a Hettie. 

Quando enfim se separaram, Hettie mantinha um olhar semicerrado,  questionador, Miles apenas sorriu, um sorriso meio torto e malicioso, ao responder:

-O que?! Você quem disse que o melhor jeito e tirando o foco. 

Hettie não pode conter a risada, era muita presunção vinda de alguém que, minutos atrás, estava tremendo de medo. Ela se levantou e puxou Miles para cima também.

-Vamos sair daqui, irá amanhecer a qualquer momento. - Disse ela espiando o relógio em seu pulso.

Miles assentiu e estendeu a mão, Hettie a aceita sem exitar, sempre sorrindo. A garota caminha na frente, guiando-o pelo caminho que ela conhecia tão bem. Miles manteve sua atenção em Hettie, não queria que o episódio anterior se repetisse. Sem que percebesse, já haviam chegado aos grandes portões de ferro do parque, Hettie para antes de cruzar o portal.

-Você precisa seguir sozinho a partir daqui. - Ela olhava para as mãos enquanto brincava com os dedos.

-Como assim? Por quê? - Miles estava confuso, não entendeu o que a garota queria dizer.

-Sabe quando você toma uma decisão importante, que realmente não tem como voltar? - Ela olha para Miles com um sorriso triste nos lábios. - Foi esse o caso. Mas eu não me arrependo.

-Eu não estou entendendo, - Miles tentava entender, mas as palavras dela não faziam sentido para ele.

-Há muito tempo, eu fiz uma escolha, eu escolhi ficar. - Hettie enfia a mão no bolso da jaqueta e tirou o broche em forma de lírio negro com uma caveira no centro, símbolo dos habitantes do parque. - Esse lugar é meu lar agora, por isso não posso ir além desse portão.

Miles pisca algumas vezes tentando processar o que acabara de ouvir. Ele havia acabado de conhecê-la e já estava perdendo-a. 

-Por que não me contou antes? - Essa não era a pergunta que ele realmente queria fazer, mas foi a que saiu pela sua garganta.

-Porque eu não queria que você tivesse medo de mim. - Balbuciou ela. Um fino traço de luz surgiu no horizonte, Hettie empurra Miles para fora dos limites do parque. - Não há mais tempo, adeus Miles. Nos vemos ano que vem?

Não houve tempo para a resposta, o parque desapareceu, tão derepente e misterioso quanto havia surgido, deixando apenas a neblina para trás. Miles correu para o meio da névoa, mas não havia nenhum rastro de que o grande parque temático estivesse passado por ali. Miles olhou para baixo e notou que tinha alguma coisa em sua mão, ao abri-la ele viu o broche de Hettie, aquele crânio lhe causava calafrios, mas ainda assim o guardou no bolso da calça, aquele broche era uma preciosa lembrança de Hettie. Miles se encontrava embaixo dos galhos secos da grande árvore morta, e ali, teve a certeza. A certeza de que esperaria pelo ano que vem.

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Parque Esquecidos do SubmundoOnde histórias criam vida. Descubra agora