Zelda nunca gostou de chuva. Ela sempre gostou do frio e as vezes do calor, mas nunca da chuva. Greendalee sempre foi o lugar perfeito justamente por ser quente e ensolarado em alguns dias, como os que Leticia implora para brincar com ela e a ruiva simplesmente não consegue dizer não, e frio e aconchegante em outros, como os que sua esposa abre os braços em um convite silencioso para se aconchegar enquanto Zelda ainda fuma um de seus cigarros. A bibliotecária apenas não apreciava o sol escaldante, sempre manchando sua pele em um vermelho vivo por pura maldade, mas a chuva sempre parecia melancólica demais e aparecer molhada no trabalho ou se molhar na saída do orfanato fazia seus nervos entrarem em colapso.
Mas ainda assim, a ruiva estava desejando todo e qualquer respingo que as nuvens poderiam entrega-la.
Se passam semanas e, Zelda não consegue passar um único dia sem checar a previsão do tempo. Ela pergunta a Mary quando não tem tempo de checar o jornal matinal com Leticia e bufa descontente quando o futuro apenas lhe presenteia com dias ensolarados ou nublados.
Ela se enterra a essa infelicidade banal todos os dias quando o radiador local diz sorridente que o próximo fim de semana será perfeito para um dia na praia e sua esposa está começando a olhar para ela desconfiada. Mas quem pode culpa-la? Greendale nem tem praia!
Zelda acha que se sua esposa lhe perguntasse o porquê, ela mesma não saberia responder a princípio. Ela só sabia que de uma hora para a outra, isso começou a importar tanto para ela mesmo sem fazer sentido nenhum. Mas chegando em casa, após uma visita rápida com Leticia na casa de sua irmã, ela silenciosamente entende.
Mary está esparramada entre cobertas no meio da sala de estar assistindo a um filme romântico qualquer que Zelda se recusou a ver com ela semanas atrás, parecendo ainda mais adorável que o usual.
E é oficial.
Ela só quer que chova. E ela quer que chova agora.
E ela precisa de uma bebida também.
E a ruiva bebe durante boa parte daquela noite. É tanto álcool que, mesmo que tenha sido ingerido aos poucos e com uma refeição substancial, ela sente suas pernas bambas quando sobe as escadas em direção ao seu quarto e de Mary.
O álcool do whisky ferve em suas veias enquanto seu braço circunda a cintura da morena adormecida horas depois. É confortável, como em todas as noites e olhando para o rosto adormecido da esposa, ela deseja a chuva mais do que deseja cigarros pela manhã.
Ela deseja por Mary. Ela deseja pela morena que dorme ao seu lado, porque ela merece essa onda de movimento e energia romântica que basicamente discursou sobre.
Mas, enquanto acaricia nervosamente os cabelos escuros espalhados no travesseiro ao lado dela, outra conclusão flui por sua mente, mais brutal e agressiva. Por que ela sabe, dentro de seu peito e entre seus ossos, que não é apenas por sua esposa que ela quer que chova.
É por si mesma. Porque ela quer beijar Mary.
Ela ama Mary e quer beija-la em qualquer lugar. Em casa, em meio a um furacão de legumes e grãos enquanto a morena prepara o jantar. Mas também quer que aconteça no supermercado, enquanto elas escolhem qual tipo de vinho pretendem levar, mesmo que a escolha seja limitada porque os armários de bebidas já estão cheios de whisky de Zelda ou achocolatados de Leticia.
Mas a perspectiva de beija-la na chuva faz uma excitação crescer abaixo de seu estomago.
Zelda quer beija-la de uma maneira que ninguém antes fez. A ruiva não sabe nada sobre nenhum relacionamento passado de sua esposa, porque toda e qualquer entidade sabe que isso não a deixaria feliz. Zelda sabe que existiu uma grande desilusão amorosa e que isso machucou Mary, mas ela nunca fez nenhuma pergunta sobre isso. A ruiva é possessiva e sabe disso, mas não acredita que pode mudar essa característica em seu ser, mesmo se tentasse. E a mera menção de que esse beijo especifico — mesmo que molhado e não tão bom quanto o dos filmes — é um que só ela daria na esposa pinta um sorriso vitorioso em seus lábios sonolentos.
É um sorriso bêbado de orgulho com seu próprio pensamento destemido e a bibliotecária imagina que seu eu infantil extremamente explorador e inquieto estaria orgulhoso dela se a visse agora.
Então é isso, ela quer beijar Mary. Na chuva.
Estava claro como a água da piscina que elas compraram para Leticia recentemente, como um presente adiantado de aniversario, mesmo que a pequena não saiba, e Zelda gosta disso.
Ela acha que Mary a beijaria de volta. A morena provavelmente ficaria chocada, ou um pouco irritada caso seus óculos estivessem no rosto, mas a beijaria de volta. Mary é romântica, doce e afetuosa, mesmo que uma parte de si goste de coisas práticas e diretas. Mas acima disso, elas são casadas! E naquela tarde ensolarada menos de um ano antes, Mary prometeu e assinou papais provando que amava Zelda e consequentemente, a beijaria de volta, brava ou não.
Então é oficial, Mary totalmente a beijaria de volta.
E um outro sorriso bêbado molda os lábios de Zelda enquanto o teor alto de álcool do whisky pinta a imagem.
Uma parte de si apenas quer apreciar a possibilidade. O doce e suculento poder da existência de uma eventual viabilidade para que Mary aceite seu convite. Na saída do supermercado, ou antes de irem trabalhar pela manhã... simplesmente em qualquer lugar que as nuvens lhe agraciassem com algumas gotas.
Zelda não tem muitos devaneios como esses. Sonhadores, fantasmagóricos e as vezes até depreciativos, mas a ruiva sabe que é o álcool que os torna mais reais e violentos em sua mente. Porem hoje eles são tão bons, com a forma de Mary estampando o sorriso mais brilhante que ela já viu, cabelos escuros molhados e girando embaixo de um arco-íris enquanto a beija, e por isso ela não se importa em parar.
Antes mesmo de notar, Zelda adormece em meio a pensamentos. O que a ruiva também não nota é que, enquanto suas pernas se moldam as já adormecidas de sua esposa, pesadas e despreocupadas em meio ao sono, a chuva que ela tanto deseja começa a pingar na janela de vidro fechada do quarto delas.
-x-
FELIZ DIA DAS BRUXAS!
Espero que vocês tenham gostado e mal posso esperar para saber o que vocês acham.
Xoxo, Val
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Glasses Stay On (Coleção de One-Shots AU)
FanfictionA Biblioteca Municipal do Orfanato de Santa Angela é separada por duas alas, a de livros didáticos e pedagógicos - a encargo da gentil Srta. Mary Wordwell - e livros de literatura - total responsabilidade da rígida Srta. Zelda Spellman. Embora as du...