Damien?

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Quando o relógio ao lado da sua cama marcou às 3h00 da manhã, Pip acordou. Não porque seu alarme havia sido erroneamente programado para às 3h00 da manhã, ou porque ele precisava mijar ou qualquer outro tipo de necessidade, ele apenas acordou. Olhos bem abertos em um azul muito mais escuro do que o habitual. Não sentia sono, apesar de ter se deitado às 1h40. Não havia sequer resquícios de cansaço. Pip se sentia admiravelmente em paz, mas confuso, ao notar o horário no relógio. Tentou dormir, e só então notou que não conseguiria. Não há porquê.

Ao se virar para uma nova posição, ele encarou a estante. O abajur estava aceso e, encostado em seu tronco, o cartão de emprego, perfeitamente posicionado abaixo da luz.

Ah, maldição.

Há muito mistérios que rodeiam a existência humana que em muitas vezes nem mesmo a ciência possa compreender com tanta certeza ou clareza, talvez porque não devam ser. Há muitas coisas que não devem ser. Em algum momento de um futuro próximo, Pip iria se fazer perguntas justas sobre coisas que não entende, como por exemplo: sobre aquele exato momento, ali, deitado, em que não estava acordado, tampouco dormindo, mas definitivamente sentia-se em um sonho, e agiu como se estivesse em um, afinal.

Não. Não chega a isso, porque Pirrup sequer teve controle sobre suas ações seguintes. Também iria se perguntar sobre o sorvete na sua meia, mas isso fica para outro dia.

Ele se levantou, pôs o casaco mais próximo, calçou os sapatos e deixou o apartamento, ouvindo seu gato resmungar pelos passos que atrapalharam seu sono. Não se importou em ver seu dono sair em horário incomum, de sandálias e pijamas por debaixo do casaco.

Depois das 22h, quando a rua ficava deserta, fria e perigosa; quando a noite ganha vida e a promoção do Sushi Maryl acabava, o conselho de segurança municipal recomendava que não se ponha um único dedo para fora de casa; principalmente se for judeu ou negro, boatos de que de um novo grupo neonazista está na cidade, dando palestras clandestinas em auditórios vazios das universidades para três ou dois acadêmicos babacas. Pip não duvidava que sua rua era fatalmente perigosa, considerando os assaltos que lavava do seu amigo do andar de cima às 19h quando chegava do emprego que não tem mais. Se estivesse consciente o bastante, jamais teria simplesmente deixado seu prédio.

Mas ele o fez, sem pensar sobre isso ou considerar um sem-teto que o perguntava incansavelmente se estava bem. E ele o conhecia, mas não naquele momento, naquele momento Phillip mal reconheceria seu nome. Continuou caminhando, um pé de cada vez até que chegasse no lugar que deveria estar às 3h – ah, é, para a entrevista de emprego, e não havia nada suspeito sobre isso.

E para ser honesto, se Pip estivesse consciente o bastante, ficaria surpreso por seus pés não terem parado em frente à uma casa mal-assombrada ou qualquer coisa semelhante, que estaria em um livro de terror. No fim das contas, estava parado em frente a um escritório, janelas de vidro e paredes naquele monocromático bege sem-graça e encardido. Letras grandes e cinzas nomeavam o prédio por: "escritório". Era isso, escritório. Ao adentrar no prédio cuja todas as lâmpadas estavam acesas, foi recebido por um funcionário que, pasmem, tinha cabelos bem penteados e lambidos, óculos de grau, camiseta branca tão bem passada que parecia impossível, suspensórios escuros como a calça e sapatos marrons. Tudo sobre aquele homem era tão absurdamente genérico que Pip custaria a acreditar que não era um manequim figurante de um filme dos anos '80.

- Senhor Pirrup, é um prazer imensurável finalmente conhecê-lo! – apertou sua mão suada na de Pip, o sorriso polido se alargando cada vez mais. – Você não faz ideia do quão ansiosos estávamos para conhecer você.

- Obrigado. – Soou como uma pergunta.

- Ora, não é nada. Venha, deixe-me mostrar o caminho.

Personal JesusOnde histórias criam vida. Descubra agora