O Maestro do Apocalipse Simpatiza pela Humanidade, Simplesmente

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Uma tempestade caía lá fora enquanto já estavam entrando no prédio. Nenhum dos dois disse uma única palavra durante toda caminhada; Damien não queria cutucar o temperamento de Pip, que já não parecia tão bom. Era um momento para absorver, imaginou. Melhor assim, pensou Damien, que aprendera sobre a importância do espaço pessoal alheio há poucos minutos.

Martelaram seus sapatos pelos corredores e desviaram dos ratos que procuravam sobreviver de migalhas, atravessando camadas e camadas de paredes.

Adentrando ao apartamento, Pip tirou o casaco molhado e pendurou no cabide. Damien, perspicaz, analisou o cubículo, julgando e deduzindo a partir de escolha de plantas para os vasos até a cor das roupas penduradas no cabideiro. Espantou-se ao receber uma toalha de Pip, que não era necessário, pois bastou um rápido movimento místico para que corpo e roupas estivessem secos novamente. Pip apenas pôs a tolha sobre o sofá. Damien se sentou em seguida enquanto Pip desaparecia em seu quarto.

- Por que não começa a falar? - Perguntou do outro cômodo.

- ­Bem, - Iniciou sua explicação, assistindo ao gato que caminhava sobre o sofá como se fosse dono daquele pedaço de mundo, um exterior; pessoal. - Eu sou o anticristo, Phillip, e disso você já sabe, e logo deve saber que eu tenho um único propósito.

Pip surgiu na porta, parado entre seu quarto e a sala, agora de pijama trocado e cabelos amarrados. Parecia mais cansado que antes, como se naquele momento seu corpo tivesse tido tempo para processar e abraçar o próprio cansaço pesando em seus ossos. Os olhos semiabertos encararam Damien com um certo compreendimento e curiosidade, ainda que em desconfiança, e os braços cruzados sobre o corpo.

Damien olhou para seu vaso de flores, e, então, os grãos de terra começaram a se erguer flutuando, dançando e se formando sobre o ar, decidindo o que seriam então. Pairaram sobre a mesinha de centro, e formas humanoides partiram dali: elas caminhavam, silabavam e atuavam dentro do conto que seria verbalizado a seguir.

- Desde que nasci, aprendi coisas que somente me levariam a ser chave do apocalipse, um destino prometido a partir daquele momento. Depois que vim à terra, voltei umas duas ou três vezes e aprendi coisas, entendi outras, e decidi que não queria isso, não queria ser a aniquilação da humanidade. Eu ainda sou parte humano, no fim das contas.

Sua versão de terra, um carinha sem rosto de cinco centímetros, mostrou-se conflituoso entre o plano terrestre e o inferno, crescendo até que se tornasse um homem, caminhando entre os humanos, observando alguns – um em específico parecia cativar sua atenção. Algo dentro de Pip sussurrou, mas ele não quis ouvir.

- Minha mãe é humana, daqui, de South Park. Nos falamos às vezes, mas nosso contato é proibido pelas leis do subterrâneo. Ela me disse que eu tinha poder demais, mas que só poderia decidir como usá-lo. E eu tomei minha decisão.

Com isso, fechou os punhos e o gesto esmagou os diabinhos de terra preta e seu reino se desmoronou, apenas o pequeno Damien permaneceu, intocado. Ainda hipnotizado pelas pequenas criaturas vivas, Pip despertou, movendo o corpo para lembrá-lo da sua existência.

- Então... o maestro do apocalipse simplesmente simpatizou pela humanidade? - Seu tom não era acusatório ou desdenhado, era de curiosidade genuína. E Damien pensou em a quão genuína seria sua honestidade.

- Confesso que há coisas... pessoas importantes pra mim aqui. - As palavras flutuavam como se quisessem ser notadas por um outro ângulo. Pip não disse nada, não ainda. - Eu posso não ser empático como um humano, simpático o bastante ou dizer que cada criatura viva nessa terra me interessa de alguma forma, assim como nenhum de vocês pode - já que as definições sensíveis sobre os humanos requerem tanto suas qualidades como "monstruosidades". Porém, meus interesses compensam no fim de tudo.

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⏰ Última atualização: Sep 02, 2023 ⏰

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