Dois

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Kagome flutuava numa nuvem de calor suavidade. Sua adorada mãe segura­va-a com gentileza, acalentando-a junto ao peito aque­cido e entoando uma canção de ninar. Ela não queria acordar, pois, quando isso acontecesse, o sonho teria se dissipado e a realidade seria o frio e a fome, com apenas uma esteira encardida de palha para protegê-la das correntes de ar.

— Não... — murmurou, quando a consciência insis­tiu em retornar e uma luz intensa surgiu por detrás de suas pálpebras. Entreabriu os olhos devagar. Havia um incomodo latejo em suas têmporas, e a claridade intensificou-o. Havia um lampião de cobre dependu­rado no teto acima, que oscilava ligeiramente, produ­zindo leves estalidos a cada movimento. Kagome ar­regalou os olhos diante da visão estranha, mas enco­lheu em seguida e fechou-os com a dor lancinante em sua cabeça. Cobrindo o rosto com as mãos, conteve a respiração e fez uma prece para que a dor passasse. Gradualmente, foi diminuindo, e ela conseguiu entrea­brir os olhos outra vez.

— Droga! — Tudo lhe voltou à memória o foi tomada por uma onda de pânico. O tal Sid a apanhara? Estaria morta? Virou os olhos devagar para que a dor não vol­tasse. Através de uma pequena janela redonda, avistou uma vastidão de água, que subia e descia, os movi­mentos embrulhando seu estômago. Podia ouvir uma forte ventania vindo de algum ponto acima.

— Bem, criança. Já era tempo de acordar — disse-lhe uma voz gentil. — Comecei a pensar que você fosse dormir durante a viagem inteira.

Kagome arregalou os olhos e colocou-se numa po­sição de alerta, para se defender se preciso fosse. O movimento brusco fez com que a dor insuportável tor­nasse a torturá-la.

—  Oh! Minha cabeça! — gritou. Pousando ambas as mãos nas têmporas, quase tirou do lugar a banda­gem que lhe haviam colocado.

—  É melhor ficar deitada mais um pouco. Só vai acabar provocando fisgadas em sua cabeça se não se aquietar. — Mãos gentis a fizeram deitar novamente na cama.

— Onde estou? — Kagome tornou a olhar ao redor com as pálpebras semicerradas. Ainda sem reconhecer o lugar, fez uma débil tentativa para se erguer. O homem de francos olhos azuis abriu um sorriso amável e manteve-a deitada.

—  Fique calma. Está tudo bem. Sou o médico do navio. Nenhum mal vai acontecer a você aqui, eu lhe prometo. Você foi atingida pela carruagem do marquês. Consegue se lembrar?

Kagome abriu um pouco mais os olhos e estudou o sorriso amistoso do desconhecido, mas, ainda assim, não confiou nele de imediato.

— Onde estou? Por que este quarto está se movendo?

— Você está a bordo do Bonnie Blue, a caminho da Irlanda.

— Um navio? Estou num navio? — Novamente so­bressaltada, Kagome tentou se levantar. — Oh! Minha cabeça dói tanto.

— Deixe-me ajudá-la. Mova-se devagar. Com cuidado, está bem? — O médico ajudou-a a erguer-se para uma posição sentada e ajeitou os travesseiros para que se recostasse. — Melhor assim? Está com fome? Você dormiu por um longo tempo.

—  Um longo tempo? — repetiu ela, ainda confusa por se achar num lugar estranho com um homem bon­doso oferecendo-lhe comida... Era mais do que sua men­te podia absorver! Desconfiada, observou o homem jun­to a uma mesa fixa de canto, preenchendo uma caneca com sopa de uma panela de ferro. O aroma de caldo de carne chegou-lhe às narinas e fez com que seu es­tômago se contraísse de fome. Sem se fazer de rogada, aceitou a grande caneca de sopa que ele lhe ofereceu.

— Tome-a devagar, está certo? A sopa está quente e seu estômago esteve vazio por bastante tempo. Vá com calma. Ninguém vai tirá-la de você. Há uma panela inteira ali. Pode tomar tanto quanto desejar.

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