Parte II Decepção

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Quando Marcelo saiu da minha casa, na zona Sul, para atravessar a cidade e trocar de roupa, antes de ir trabalhar aquela manhã, eu estava convencida de suas palavras. Foram palavras doces, qualquer mulher se sentiria assim. As palavras saíram de uma boca linda, de um queixo quadrado e orgulhoso.

Depois de uma noite nos braços daquele homem, quem não desejaria que fosse verdade? Rolou até um convite para um cinema na noite seguinte, eu sei... eu sei...

Eu não deveria ter criado expectativas quando se trata dele, acreditar em toda aquela baboseira de: você mudou minha vida... Não estou aqui apenas pelo sexo...

— Grrr! — solto um grunhido de raiva.

Não estou com raiva dele, eu sabia exatamente onde estava me metendo. Não estou com raiva por termos transado. Eu queria isso tanto quanto ele, estou decepcionada comigo mesma, por ter deixado aquelas palavras entrarem no meu coração.

Abro o micro-ondas, retiro o pacote de pipoca, despejo tudo no baldinho e vou para sala. Passei o domingo debruçada sobre dezenas de páginas, estudando um caso novo. Só preciso de um pouco de Netflix. Pego o controle e coloco na série que estou assistindo, só dá tempo de me esparramar no sofá e meu celular toca.

— Oi, mãe.

Oi, docinho, vem jantar hoje?

— Eu queria muito, mas não vai dar. Tenho um caso novo e amanhã é minha primeira reunião com o cliente.

Escuto-a suspirar do outro lado da linha e pauso a série.

Vou pedir para o seu pai te levar comida.

— Não precisa, mãe, eu cozinhei no almoço e sobrou — minto.

Não vai ficar sem comer. Emanuela, você é jovem, não deveria passar seus finais de semana enfurnada em casa, sozinha.

— Eu estou bem, mãe. A senhora sabe que amo meu trabalho, não é um sacrifício para mim.

Eu sei, é só que... — Ela suspira novamente. — A vida passa tão depressa, filha, na sua idade eu passava os finais de semanas em festas, transando e fumando maconha.

— Esse assunto de novo não, mãe. Não estamos mais nos anos oitenta e eu sou uma advogada.

Não estou dizendo para você fumar maconha, mas advogados ainda podem transar, sabia?

— Minha vida não é tão sem graça, assim. Quinta-feira fui trabalhar acabada, porque passei a noite toda transando.

Ela solta um gritinho do outro lado da linha e começo a rir.

Por que não o convida para almoçar aqui em casa, domingo que vem? Está na hora de nos apresentar um namorado ou uma namorada, se preferir.

Solto uma risada nervosa, do jeito de ela me perguntar se sou gay.

— Mãe, é por isso que não gosto de te contar sobre minha intimidade. Ele não é meu namorado, foi só sexo.

Mas você sabe, querida, que se gostar de meninas, não precisa esconder da gente, né?

Eu bufo.

— Mãe, já falei mais de vinte vezes que não sou gay. Eu só não encontrei ainda alguém que esteja na mesma sintonia que a minha.

Filha, você está sintonizada no trabalho, precisa mudar de estação, para a estação do amor, a estação "tô na pista".

— Está bem, mãe. Prometo que vou me divertir mais, manda um beijo para o pai, domingo que vem vou almoçar aí com vocês.

— Combinado, te amo, filha.

Rivais no TribunalOnde histórias criam vida. Descubra agora