Estagnação🐟

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Uma sociedade estamental é aquela na qual as pessoas possuem algum tipo de classe determinada e não podem sair dela. Essa classe lhe dirá que lugares frequentar, que tipo de vida ter e que indivíduo você será para o resto de sua vida. É muito comum esse tema ser abordado quando estudamos história e estamos nos séculos passados. Entretanto, já parou para perceber que isso é comum na nossa sociedade contemporânea e que muitas pessoas vivem assim por escolha própria?

Apoiados em crenças limitantes e histórias arrasadoras que escutaram de terceiros, decidem aceitar o sofrimento, descaso, a humilhação e a pouca quantidade como se ela fosse exatamente o que merecesse. Demasiada angústia, desespero interno e gritos da alma sendo mortos afogados em lágrimas de mágoas.

Pessoas que fizeram escolhas ruins no passado e andam arrastando correntes, fazendo barulhos sombrios pela madrugada, gritando quando ninguém os pode ouvir. Tremendo e suando frio num eterno pesadelo, numa paralisia do sono bizarra que eles mesmo trouxeram para si.

Olhos que perderam o brilho por um indivíduo incerto que atravessou seu caminho, sorrisos amarelados devido à opressão e a pressão interna. Corações cheios de todo e qualquer mal, incapazes de recordar os tempos em que abrigavam gratuitamente inocência e gentileza.

Mãos trêmulas, marcadas por tantos transtornos psicológicos e desestabilização. Rostos transfigurados em expressões vazias e rasas, que não contém nada além de atuação e repetição.

Um eterno faz de conta que estou bem, tampando com um band-aid uma hemorragia e torcendo para que nunca sejam capazes de perceber o inferno que carrego comigo.

Não é necessário ir muito longe para perceber almas que, sôfregas e pálidas, lutam contra a corrente forte e, debatendo-se sem ajuda alheia, persistem numa mísera busca por uma guinada e transformação. O que nunca vem. O que nunca encontram ...

Esses dias, refletindo, olhei para alguém que me importo muito. Mas, olhei além. Vi mais que suas marcas de expressão no rosto, mais que sua roupa surrada e mais que sua fadiga. Me esforçando para olhar com os olhos da alma, percebi naquele espectro, sufocada por tanta maldade mundana, uma infância cheia de sonhos e cores. Os brilhos que a circulavam, a música empolgante que exercia papel de trilha dos belos dias e o valor que trazia consigo me contagiaram de imediato e pude perceber que estavam ali. Eram sinceros e singelos. Tão reais quanto eu mesma. E então, num piscar de olhos e num badalar dos sinos do Natal que não foi comemorado, num chacoalhar do brinquedo quebrado, num aperto de mãos do homem interessado em mais do que brincar, na amizade infiel que durou tão pouco tempo e levou tanto consigo.... Tudo aquilo desapareceu.

Essa pessoa perdeu as esperanças. Os objetivos simplesmente foram sendo substituídos com o passar dos anos. Os preconceitos, as vozes ferozes e irresponsáveis, as palavras desagradáveis tais quais mercaptanos.

Como pode a sociedade assassinar tantas personalidades e boas auto-estimas, sem ao menos prestar um minuto de silêncio em homenagem às grandes vibrações que se vão?

Agora compreendo que, se fôssemos prestar um minuto de silêncio para cada alma morta em corpo vivo que temos conta no cartório, iríamos nos transformar em mudos. Não falaríamos por milênios.

Entendo que suas ambições estão encerradas. Compreendo o motivo para as aventuras deslumbrantes serem agora apenas perca de tempo. Eu sei porque você deixou toda a magia acabar.

Toda essa complicação
Compilados de paixão
Que deixam mágoas
Coisas que não funcionam
Palavras que aprisionam.

O sonho deixa de existir
Desperto, desespero
Tudo começa a agir
Sou nova, pequena, incapaz,
De repente não quero mais.

Que outros sejam sonhadores
Que outros busquem
Que outros tenham valores
E, para mim e os
Outros sofredores,
Que sejamos eternamente atores
Num show sem cores
Com plateia desconhecida
E jamais reconhecidos.

Espero, sinceramente, que nenhum empecilho seja capaz de matar a pouca boa vibe que luto todos os dias para manter viva dentro de mim. Mas, se tantos outros antes de mim foram mortos, por que logo eu seria alguma coisa? Por que eu, com tão pouco conhecimento, dotada de dúvidas e desprovida de experiências válidas, seria um peixe que aprendeu a voar?

Porque algumas coisas na vida não precisam ser racionais. Elas precisam ser naturais, instintivas, recheadas com loucura e alucinações. Eu não me importo que tantos digam que nunca serei diferente. Até porque, na verdade, já sou. Sou diferente quando ainda brilho em um mundo poluído de desgraças. Sou um peixe que aprendeu a voar e que está espiando num cantinho do oceano para agarrar um oportuno momento e dar seu primeiro vôo. E, lhe garanto, quando isso ocorrer, jamais esse peixe aceitará ficar preso em aquários e não vai ser qualquer pescador com um anzol mequetrefe que vai arrancar sua capacidade. Esse peixe vai voar e não irá sozinho. Arrastará outros loucos com ele. E então, os estagnados de plantão talvez tenham uma chance, ao menos uma vez na vida, para reencontrar consigo mesmo do passado e dizer: você tinha razão, coisas boas são possíveis de acontecer. Mas elas só fazem sentido depois de você conhecer as ruins.

Com amor, Nathi Tomaz♥️.

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Um peixe que aprendeu a voarOnde histórias criam vida. Descubra agora