Capítulo V - Amor

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Os primeiros meses de convivência com o Ichiou foram difíceis. Várias vezes me peguei amargurada num canto da casa, praguejando o momento em que decidi parar de tomar contraceptivo. Mas com o tempo, as coisas inevitavelmente mudaram.

Antes de voltar ao Hospital, aprendi com a Kurenai a usar o shijira, uma amarração de pano para carregar o bebê confortavelmente como se fosse uma bolsa de canguru presa ao corpo da mãe. Passando tanto tempo literalmente amarrada a ele, a convivência fez germinar em mim algo que eu até então desconhecia.

Sasuke buscou todo tipo de argumentos para me impedir, mas eu estava obstinada. Estaria com o meu filho o tempo todo, mesmo que estivesse trabalhando. Acerca dos riscos iminentes de contaminação hospitalar, eu já havia combinado com Shizune e Tsunade para ficar apenas com a parte burocrática da administração, onde as chances de contaminação eram menores. Mesmo que por poucas horas, já era alguma coisa. Preparei um espaço na minha sala com alguns brinquedos e suportes para Ichiou poder se esgueirar e se apoiar. Seus primeiros passos foram ali, do lado na minha escrivaninha. E assim fomos por meses unidos como unha e carne.

Ichiou reconhecia a minha voz e me olhava com aquela carinha como se tentasse decifrar meu rosto. Ele cheirava a coisa nova, cheirava como um presente de Natal, e me aquecia de uma maneira que me fazia desejar estar sentada numa poltrona para apreciar o seu calor, observar suas costas subirem e descerem enquanto dormia, respirando numa serenidade que para mim já era desconhecida. Foi questão de tempo para eu cair nos encantos de Ichiou gradativamente.

Ele era muito observador e carismático, tinha grandes olhos negros e brilhantes rolando curiosos para qualquer coisa colorida e animada, sempre atento aos sons, conversas, luzes e objetos chamativos. Também era temperamental e desconfiado como o pai. Às vezes desprezava algo que amava muito, brinquedo ou comida, outras vezes se negava a ir no colo de qualquer pessoa, especialmente das mais próximas, como Tsunade, Shizune e Naruto.

Sua evolução estimulava a minha, cada dia era uma coisa nova que ele aprendia, um gesto engraçado, um olhar terno, pequenas coisas dele que preenchiam aos poucos todas as fendas dentro de mim.

Essa experiência de retornar mais cedo para o hospital me ajudou a criar esse laço único com ele, que era algo que eu temia não construir por conta do contexto do meu relacionamento complicado com o seu pai. No fim, só saímos ganhando. Ichiou pôde me ter por perto durante todos os seus primeiros meses na minha melhor versão, saudável e distraída com tarefas que me davam a satisfação que eu não tinha trancada em casa.

Talvez Sasuke tenha me deixado em paz depois de uns meses por isso, porque percebeu que seguindo o que ele achava ser o melhor para mim, eu enlouqueceria.

E quando eu digo que ele me deixou em paz, eu não exagero.


Outono

muitos meses depois

Com quase dois anos, Ichiou estava tão grande que não cabia mais no shijira. Mas eu também não cabia mais em alguns lugares.

Ichiou cresceu e já era a cópia do Sasuke. Falava algumas frases curtas, anda, escalava móveis, engatava corridas sem cambalear. No geral, já era bem independente, recém saído das fraldas e da amamentação há meses. Não consegui manter a rotina no hospital ou ter paciência para impedi-lo de abaixar a minha blusa em público para mamar.

Ele era tudo para mim. Clichê uma mãe falar assim? Provável. Mas o que mais eu poderia dizer? Meus dias, tarde, noites e madrugadas era com ele, só com ele, e até nos meus sonhos ele estava, crescendo saudável e ligado a mim de uma forma que não esteve nos seus primeiros meses de vida. Eu tinha consciência disso, de que o apego exacerbado a ele era uma tentativa vã de suprir a ausência que fui quando ele chegou. Eu sabia e me perdoava, só não podia deixar de tentar apertar esse laço e não deixá-lo se esvair jamais.

Pilares de Areia [em revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora