Whitechapel, final de 1808
A casa que Nathaniel vinha observando fazia mais de cinco horas era dividida por duas famílias; ao menos assim parecia. Era antiga e bem construída, como todas as casas naquela parte da cidade. Considerando o tamanho do local, ter apenas duas famílias morando lá demonstrava que não eram ocupantes miseráveis.
Ele já não conseguia ver o relógio; Whitechapel não era um dos distritos londrinos privilegiados com algumas lâmpadas a óleo espalhadas a certos intervalos. Isso era coisa da nova Londres, do lado oeste. Onde moravam as pessoas da vida real de Nathaniel. Ou seria essa sua verdadeira identidade?
Não, ele jamais confundia. Sabia o que estava fazendo.
Trouville, o velho duque, que ocupava um cargo quase secreto na Secretaria de Estado, havia lhe dito que sua informante estava incomunicável. Ela era importante; eles precisavam daquelas informações para agir. Prisões precisavam ser realizadas. E tudo seria feito por baixo dos panos, pois queriam que os outros continuassem pensando que as rebeliões e as sociedades secretas haviam caído no limbo com o enforcamento do coronel Despards, seu último grande líder.
Mas era mentira. Eles continuavam vivos. Ainda queriam matar o rei, incendiar o parlamento e ajudar os franceses a invadirem o litoral da Inglaterra. E era melhor deixar as rebeliões irlandesas fora disso; o sangue que manchava as ruas não era fácil de limpar quando derramado indiscriminadamente.
E eles não estavam ganhando a guerra contra a França e seus aliados.
Precisavam impedir que mais rebeliões e conspirações ocorressem dentro do país. Já bastava tudo que estava acontecendo no continente.
Saindo da escuridão, Nathaniel se aproximou pela lateral da casa; a fonte de luz mais próxima vinha de uma janela. Ele deu a volta e pulou o muro. Aproveitou para observar a lua. Por não estar cheia, não servia de nada naquela noite. Sabia que a história das duas famílias, de certa forma, era mentira. Ele contou cinco homens deixando a casa; reuniões aconteciam ali. Porém, pessoas também moravam ali.
Ele arrombou a fechadura e entrou. Uma luz fraca vazava por baixo da porta fechada de um cômodo no primeiro andar. Fazia muito frio do lado de fora, mas o interior da casa não estava quente como ele supôs. A escada rangia com seus passos, mas Nathaniel a subiu mesmo assim. Esperou no patamar superior, mas nada se mexeu no andar de baixo. Era tarde o suficiente para pessoas simples já estarem dormindo; gente dali não ficava acordada até tarde em bailes e festas da temporada.
E, com as ruas escuras, só quem andava por aí era gente ou atrás de confusão ou com motivos escusos. Como ele. Era possível não ter medo do escuro de casa, mas como não temer a completa escuridão das ruas dos bairros londrinos desfavorecidos? Tarde da noite era uma penumbra só, não dava para ver nem acusar ninguém de um crime. Como reconhecer o criminoso?
Nathaniel arrombou outra fechadura, guardou no bolso a ferramenta que usava nesse tipo de trabalho. A porta rangeu. Dentro do quarto havia uma luminária acesa e um fogareiro já apagado. Ele observou a janela por um tempo e apostou certo ao imaginar que seu objetivo estava ali.
— Quem é você? Como entrou aqui? — perguntou a mulher.
— Seu contato me mandou. — Ele se aproximou e a olhou de perto.
Desconfiada, a mulher deu um passo para trás. Foi então que ele viu que um dos pulsos dela estava preso por uma corda que a impedia de se afastar da cama. Ela estava completamente vestida, como se fosse sair a qualquer momento, e, mesmo sob a pouca luz, dava para ver que eram roupas de qualidade, apesar de simples. Nada de cores, rendas e firulas; coisas assim custavam caro.
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A Desilusão do Espião
RomanceVocê tem uma nova missão. Até onde chegará? Num mundo de ilusões e traições, ficar cego de amor pode mudar seu destino ou custar sua vida. Em meio à guerra contra a França e as rebeliões internas do país, ser um espião inglês é um negócio fatal. A...