4. O quarto de grades 🔑

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Algumas horas depois

Vida


Desperto assustada com os passos apressados no corredor. Olho para o lado e, só então, me dou conta de que Sampaio ainda não veio se deitar. Observo o relógio sobre a peça de cabeceira. São 4h20. Levanto-me num só movimento, receosa de que Camila também acorde com esses movimentos.


Visto um robe de seda verde escuro, prendo o cabelo num rabo de cavalo e saio. Vou direto ao quarto de Camila. Checo a minha bebezinha de nove meses enquanto ela dorme como um anjinho. Minha filha é tão linda e doce, mas fruto de um desamor. Acaricio o seu rosto macio e os seus cabelos finos. Depois, saio do seu quartinho rosa.


O quarto de Marivalda e Betânia está com a porta entreaberto. Vejo os vultos de seus rostos pela pequena abertura. Devem estar curiosas e, ao mesmo tempo, tomadas pelo medo de sair.


Sigo o burburinho abafado de vozes desconhecidas que vem do fim do corredor. Apresso o passo e, aos poucos, vou me dando conta do que se trata.


Por que não desconfiei antes?


Doutor Artur entra quarto com as mãos enluvadas e meu coração dispara só de fitá-lo e me recordar de nossa dança. Torço para que ele desista de trabalhar para Sampaio, porque estou muito incomodada com as sensações que ele despertou em mim e quero me livrar disso.


Com cara de ressaca, Salatiel se assusta ao me ver. Passo por eles e vejo a cena que temia encontrar. Nunca estou preparada.


E não é por Sampaio


É por elas.


Artur verifica de forma cuidadosa o rosto da menina em cima da cama.


— Preciso levar a garota para o hospital de Mundo Verde — informa ele, com um semblante assustado.

— O que aconteceu? — pergunto tensa e avanço para próximo da cama, mas logo me arrependo por questionar o que já sei do que se trata.

— Não se mete, Vida — Sampaio berra. Estremeço. Depois ele se volta para o veterinário. — Você não é médico, doutor Artur? Dê um jeito nisso — ele aponta para a garota, irritado. E sobe o cós da calça, que está com o cinto desamarrado.


Levo a mão à testa atônica. Artur me fita e o seu olhar parece me devassar em fração de segundos. Sinto-me como se estivesse nua, o que me deixa ainda mais confusa. Logo ele desvia em direção a Sampaio.


— Eu cuido de animais, não de gente — Artur rebate ainda sentado na cama ao lado da moça, coberta por um lençol branco manchado de sangue, em que tenta se esconder.

— É a mesma coisa — Sampaio insiste.

— Não, coronel, não é... — argumenta Artur.

— Você é contratado a peso de ouro e não pode dar um jeito num cortezinho qualquer na testa de alguém? — continua Sampaio num tom carregado de arrogância. — Já tive outros veterinários que fizeram esses consertos para mim e você se nega, Artur!

MEU ÚNICO PECADO - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora