Eu estou encarando o copo com água até a borda, ele é composto por uma única listra amarela que deveria ser seu diferencial, porém meus olhos se mantém vidrados em sua tonalidade tão branca que sugeria ser tinta. Eles haviam colocado o líquido especialmente para mim, com a explicação de que eu havia passado por coisas que ninguém jamais deveria. Em modo automático, permaneço com meus olhos estagnados no recepiente branco, desvendando suas imperfeições, as arestas dobradiças que faziam com que a água se movimentasse a cada remixida da detetive contra a cadeira. Era a terceira vez que ela tentava fazer aquilo, mas em todas as duas eu me mantive fitando arduamente o copo de color branca. Não transparente, não outro tom, branco como tinta!
- Flora. - A detetive murmurra. Ela levanta e arrasta sua cadeira para longe, apertando seu distintivo na calça jeans como se fosse sua maior conquista no mundo. Seus pés começam a bater no chão como uma bateria, a bota de couro bem ilustrada, tão limpa que parecia que saiu da loja de calçados demonstrava que a sua paciência estava esgotando. - Flora River é o nome dela, certo?
O outro policial concorda com a cabeça. Sinto a súbita vontade de me debruçar em um choro eterno, mas acredito que às lágrimas já haviam se cansado de serem desperdiçadas em meu rosto. Meus dedos deslizam pela camisa de moletom que eles haviam colocado em mim depois do banho, vejo alguns curativo na palma de minha mão, ainda posso sentir a dor do golpe ardendo na alma, latejando por todo meu corpo.
- Não iremos conseguir resolver isso sem sua ajuda. - A detetive diz. É a mesma frase de antes, ela parece mais como um gravador. - Você precisa nos contar o que aconteceu, estamos aqui para ajudar.
Ergo minha cabeça, pensando onde os policiais estavam quando eu realmente precisei de ajuda, quando eu suplicava para que milagrosamente alguém surgisse e às coisas se concertariam. A detetive Young apoia suas mãos nas costas da cadeira e inclina seu corpo com educação, nada o bastante para ser ameaçador.
Ela percebe que mesmo com minha erguida de cabeça, aquilo não significava que haveria cooperação.
- Olha... - Young tenta novamente. - Precisamos da sua ajuda.
Pela primeira vez sua voz é suave, e terna.
HÁ MAIS OU MENOS DOIS MESES ATRÁS
Flora pediu que ele estacionasse o carro para que ela pudessem fotografar a cachoeira. Ele amava a maneira como ela se importava com os mínimos detalhes possíveis, e ela o amava por todas as coisas que ele era, mas também por todas as coisas que ele nunca foi e jamais seria.
- Qual é, Flora? Iremos nos atrasar. - Ele resmungou jogando sua cabeça de forma calma contra a cabeceira da poltrona.
- Você reclama como um velho faria. - Flora prende seu cabelo em um rabo de cavalo e ajeita sua saia enquanto remexe na fita da câmera fotográfica pendurada em seu pescoço. Ela saí do carro. - Esse é um dos lugares mais lindos que já vi.
Ela posicionou seu pé na faixa de ferro que construía a ponte, recalibrou o grau da câmera e fotografou a paisagem que ela tanto desejava. Um total de 20 fotos em um curto tempo de 2 minutos, ela já estava acostumada com enquadramento e qualquer outra coisa que uma câmera profissional poderia proporcionar, era quase um ano e meio visitando pontos turísticos e registrando os melhores momentos. Fotografia era sua grande paixão, ela desejava viver disso tanto quanto desejava viver para sempre com o garoto sentado no banco do motorista.
- Demorei, resmungão? - Ela questiona fechando a porta e dando um selinho nele.
Flora continua jogando palavras pelo ar enquanto ajeita o cinto de segurança em seu peitoral, se posicionando da forma mais confortável possível. Ela analisa as fotos, passando uma por uma naquela câmera digital, se derretendo pela coloração realística que o objeto ultra moderno proporcionava, fazia isso ao mesmo tempo em que comentava sobre a qualidade como se fosse a maior novidade de todo o mundo. De repente ela faz uma pausa, notando que estava muito tagarela enquanto seu parceiro se mantinha calado.
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We Are Family, Right?
УжасыApós perder sua memória em um acidente grave, Flora acorda em uma floresta deserta sem se recordar do seu passado. Ela então é recebida por uma família de caipiras que residem naquele local, os quais afirmam que são seus parentes. Entretanto, Flora...