A Formiga versus A Água

110 18 166
                                    

Eu me levanto antes que Edward e Mary cheguem ao local, deixo o corpo de Olívia mutilado ao chão e corro. Corro até me perder na floresta.
Corro ouvindo as gargalhadas de Jaspen, corro ao som do assobio de Mary ecoando como se aquilo fosse uma seita, mas o barulho das botas de Edward amassando as folhas secas vem em minha direção.

E, então, um barulho surge no meio das árvores. Sinto a pressão em meu peitoral. O peso da bala da espingarda de Edward atinge em cheio meu coração, me fazendo cair no chão sem coordenação motora nenhuma para manter a corrida ainda ativa.

Ele me pega em seu colo, me carrega até onde Olívia se encontra, com seu corpo mutilado, repleto de sangue, e me deparo com a cena assustadora do restante da família comendo as entranhas da pobre ovelha.

- Quem são vocês? - Questiono quase desmaiada.

Edward para no meio do caminho. Surge em seu rosto o sorriso plastificado, com os lábios tão elásticos que poderia romper a pele de proteção.

- Somos sua família. - E então ele morde minha jugular, o sangue esguicha, quente e pulsante, mas ele não se importa com o gosto de ferro em sua boca. Edward continua a me devorar.

***

Eu acordo em meio aos berro, me debatendo contra o lençol da cama. Aquele foi um dos pesadelos mais intensos que havia sentido. Movimento minha cabeça para encarar o local e vejo que ainda estou presa dentro do quarto, com as malditas grades na janela. É inevitável que as lágrimas não brotem em meu rosto, ver a cena de Jaspen matando a Olivia com golpes frios e bem planejados me deixava sem esperança que eu consiga facilmente sair dali. Não há como negar que eu me senti aterrorizada pela forma que Jaspen se demonstrou frio e cruel, mas aquela atitude me confirmou o que já tinha em mente: ele não era o meu namorado. Jamais poderia ser.

Se por um lado isso me confortou, por outro eu senti o peso de não saber o que havia acontecido com meu namorado durante esse sequestro. A dúvida e a incerteza era um consumidor de saúde, eu odiava estar naquele local, eu queria ir embora, estar ali me assustava, mas nada me devorava tanto quanto pensar nas hipóteses que minha mente criava em relação ao meu companheiro. Ele teria morrido no acidente na ponte onde o carro ficou? Ele estaria preso em algum lugar que eu ainda não consegui ir nesta maldita fazenda? Ele pensava em me procurar como eu estou pensando em procurá-lo agora? Ele havia fugido e logo estaria com policiais e minha família para me salvar? O que havia acontecido de fato?

Querer saber o fim que alguém teve e não conseguir resposta era assustador. Isso me fez pensar na minha irmã que suplicou por ajuda, a qual foi na televisão em rede aberta me pedir de volta. Como ela viveria para sempre com a incógnita do que aconteceu comigo? Penso isso ao me levantar. Sinto uma curta dor em meu calcanhar graças ao momento que escorreguei no sangue de Olivia e caí na grama, mas ignoro. Abro a escrivaninha onde sabia que havia papel e caneta e começo a escrever uma carta.

"Meu nome é Flora River, tenho por volta de vinte dois anos e fui sequestrada no condado de Orange..."

Quando componho a primeira sentença da minha carta, que planejo deixar escondida em um dos diveesos cômodos sombrios da casa, ouço um curto toque na parede. Eram exatas três batidas, praticamente abafadas pelos sons dos animais e galhos ventilados do lado de fora. Eu sabia quem era, só podia ser ele: Jaspen, senti a imensa vontade de mandar ele se foder, mas invés disso voltei minha atenção para minha carta.

"... Eu não sei o que aconteceu exatamente..."

Mais três toques seguidos. Eu ignoro.

"... Mas eu sei que sinto falta da minha do que eu era antes disso."

Mais três toques seguidos. Eu guardo o papel junto a caneta na escrivaninha e me sento na cama, os toques não param. Ele era terrivelmente insistente, o que me deixava mais furiosa. Coloco meu ouvido na parede e penso por um segundo, tenho que ser racional: Eu precisava conseguir a confiança de Jaspen caso eu queira sair dessa fazenda, precisava trazê-lo para meu lado, mesmo que isso fosse desconfortável. Fecho meu punho e dou três batidas tão singelas quando a dele.

We Are Family, Right?Onde histórias criam vida. Descubra agora