I. Encontro às cegas

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Essa é, de longe, a pior cilada que Juliana já entrou em toda a sua vida.

E mesmo que seus 28 anos de idade sejam repletos de situações constrangedoras e estranhas, essa sem dúvidas é a mais louca. Isso, na verdade, é ridículo. Tudo bem que ela não faz sexo desde aquela festa na piscina em seu segundo ano de faculdade, quase cinco anos atrás. Mas encontro às cegas? Sério?

Também é verdade que sua vida social não é das melhores, isto é, se é que ela tem vida social. Se considerarmos conversas aleatórias com as enfermeiras entre os intervalos, ou os almoços no restaurante do hospital ...

Talvez, para a maioria das pessoas, dedicar-se inteiramente ao trabalho possa ser considerado uma coisa ruim. Passar mais tempo dentro de uma sala de cirurgia do que em casa, para Juliana, certamente não é um problema. Na verdade, é uma solução. Quanto mais tempo ela passar no hospital e longe da confusão da família Valdés, melhor.

No trabalho ela se sente em paz, em casa nem tanto.

Não é que ela não ame seus pais, ela ama. Mas de uma maneira diferente. O amor é complicado, peculiar, difícil de controlar e compreender. E Juliana não tem tempo para coisas que não se pode entender ou controlar. Ela precisa estar no controle, ou pelo menos ela gosta de pensar que é dona de seu próprio destino.

- Minha maninha e eu estamos a caminho. Também estou ansioso para finalmente conhecê-la pessoalmente, minha deusa do paraíso. - Mateo fala ao telefone, Juliana dá uma boa revirada de olhos.

Persuasivo e irritante, ele a convenceu a acompanhá-lo em um encontro às cegas - duplo. Mateo tem o péssimo hábito de ficar com mulheres as quais conhece pelo Tinder. Num raio de 200km, ele já deve ter dormido com mais da metade da cidade. Obviamente, ele nunca usa o mesmo perfil. Essa noite ele é Adão, e desta feita está mais animado do que o normal, pois combinou de se encontrar com uma garota cujo nome é Eva. Ironia dos Deuses do Sexo ou não, ele acredita que esta será a noite em que será expulso do paraíso, prestes a cair em pecado com uma mulher a quem ele viu apenas algumas fotos pelo aplicativo.

- Quanto tempo até o restaurante, camarada? - Ele pergunta ao motorista do Uber. O rapaz, mascando chiclete com a boca aberta como um camelo responde, 'dez minutos patrão'. Juliana tenta não ficar ainda mais irritada com o barulho nojento de mastigação, o que é quase impossível. Ela procura se concentrar na música tocando ao fundo, olhando pela janela para evitar o contato visual com aquela cena asquerosa.

- Você poderia, por apenas algumas horas, tentar agir como um ser humano normal? - O apelo de Mateo é respondido com um encolher de ombros.

- Um ser humano normal como alguém que mente para mulheres desesperadas que se inscrevem em um aplicativo para ter sexo ocasional com pessoas que nem conhecem? - ela ergue uma sobrancelha e sorri falsamente - sim, posso tentar isso por você.

- Você é insuportavelmente ética, sabe? É apenas sexo, Jules. Um orgasmo de vez em quando é necessário. Isso eleva o espírito e ajuda pessoas rabugentas como você a serem menos rabugentas.

Ele ri, assim como o motorista. Juliana encara o rapaz pelo retrovisor, o chiclete quase caindo do canto de sua boca. Eca, que nojento!

Depois de outros tantos tortuosos minutos, o motorista finalmente estaciona. Juliana salta do veículo o mais rápido possível. Mais um minuto dentro daquele carro e ela o faria engolir aquele maldito chiclete.

Ela observa o lugar enquanto espera por Mateo pagar pela viagem: o bistrô tem paredes pretas, vidros escuros e uma luz vermelha fraca na entrada. Excêntrico!

- Reserva em nome de Mateo Luna. Ah não, não caramba! Adão, Adão Luna.

Juliana ri. Mateo é um grande idiota. Mas ele é seu idiota. Todo mundo precisa de pelo menos um em sua vida.

Like Father, Like DaughterOnde histórias criam vida. Descubra agora