IV. Maçã podre

554 59 12
                                    

Juliana não conseguia parar de sorrir. Ela já havia trabalhado metade de seu turno, examinado dezenas de pessoas e lido milhares de prontuários médicos. Nenhuma distração foi capaz de tirar Valentina de sua cabeça.

No entanto, aquela era uma felicidade para durar apenas na memória. Eles não tinham chance de compartilhar um futuro. Valentina odeia médicos, e bem, Juliana é médica. Quer dizer, não oficialmente, ainda. Mas em menos de seis meses ela será. Juliana está quase concluindo a residência em neurocirurgia. O cérebro humano sempre a fascinou, como ela mesmo diz, é um dos maiores mistérios do universo. Um único órgão que é capaz de controlar todo o corpo, pensamentos, sentimentos.

Há três anos, ela tem sido orientada pelo maior neurocirurgião de toda a América Latina. Juliana não poderia estar mais orgulhosa de si mesma e mais entusiasmada com seu futuro a curto prazo. Mas claro que, para chegar ao topo, alguns sacrifícios são necessários. Na verdade, muitos sacrifícios. Romance, por exemplo. É apenas mais um item a ser riscado da lista de “desejos” e colocado na lista de “coisas quase impossíveis”. E agora, Valentina foi incluída na lista de coisas que não são congruentes com suas aspirações de carreira.

Foi muito difícil sair daquela cama, deixar aquela mulher espetacular para trás sem poder nem mesmo dizer adeus ou um “obrigada pela melhor noite da minha vida”. Foi a decisão mais difícil que Juliana teve que tomar até agora. Mas assim como tudo que é bom dura pouco, aquele encontro predestinado não é exceção. Uma pena que, para elas, o bom durou apenas uma noite.

- Doutora Valdés, sua presença imediata está sendo solicitada na sala de cirurgia três. Repetindo. Doutora Valdés sua presença está sendo solicitada pela Doutora Borges na sala de cirurgia número três. - A voz alta ressoando pelos alto-falantes do hospital a fez voltar para realidade. E também a fez estremecer. Ela só esteve naquela sala de cirurgia específica duas vezes em três anos inteiros, e nas duas vezes, para operar figuras importantes.

Ela saiu correndo do elevador ao encontro da Dra. Borges. Lucia é especialista em emergências. Ela é a médica chefe dos procedimentos cirúrgicos e a responsável por designar as equipes de operação em situações de urgência.

Assim que chegou ao terceiro andar, Juliana viu gente correndo de um lado para o outro de maneira frenética e desorganizada. Isso só poderia significar que esta emergência é um caso atípico.

- Finalmente! Temos uma emergência a caminho, como você pode ver. Prepare-se, você vai liderar a operação - Lúcia avisa, como sempre, direta ao ponto.

- O que? Mas nunca lidero uma equipe de operações. Quer dizer, eu não posso. Ainda sou residente, lembra? - Juliana pergunta em voz alta, todos na sala olham para Lúcia esperando uma resposta.

- Hoje você vai liderar, Doutora Valdés. Meus parabéns, você acaba de ser promovida.

- O que? E o Johnny? - Juliana insiste. Lúcia torce os lábios, franze o nariz e balança a cabeça em negativo.

- O Doutor Corona também está fora do país. Férias nas Maldivas. É você Valdés, fim do debate. - A jovem médica suspira profundamente. - Ouça, você é a melhor neurocirurgiã em plantão que temos em todo o país. Então, prepare-se doutora, essa parece que vai ser uma das longas. - Borges demonstrou muita confiança, e Juliana aceitou imediatamente o desafio. Ela nunca foi covarde e certamente não seria agora.

- O paciente chegou. A sala de operações está esterilizada e pronta, Doutora Borges. - Anuncia Nayeli, chamando para ela toda a atenção das pessoas dentro daquela sala. Ela sorri ampla e exclusivamente para Juliana, que simplesmente a oferece uma piscadela.

- Ótimo. Obrigada Dra. Robles. Agora, pessoal, atenção para o estado atual do paciente - Lúcia começa a ler o prontuário enviado pelos paramédicos. - Temos um traumatismo crânio-encefálico. Resultado de um acidente de carro há cerca de uma hora.

Like Father, Like DaughterOnde histórias criam vida. Descubra agora