50° dia

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“Nem sempre acaba quando termina.
Já aprendi que alguns “adeus” são
mais longos que outros.”

Vontade louca de fazer as pazes contigo e apagar essa merda de
orgulho que me inflama o peito. Que raiva eu sinto de mim agora!
E de você. E de tudo no mundo por não ser como poderia. Como
eu queria. Dói, e o pior dessa dor é que eu não quero suturá-la
com ninguém. Quero deixá-la assim: aberta, exposta. Do jeitinho
que ela é, porque ainda é o mais perto que eu me sinto de você.
Vivo com minhas verdades entaladas na garganta. Eu queria um
palco, um picadeiro, o mundo inteiro para expor minha alma
mutilada.
Não lembro o que eu estava assistindo antes de selar meus
olhos com tuas lembranças. Ou seriam criações minhas? Sei que
estava tudo bem, tranquilo. E eu sentia aquela paz que me
rompe o peito, que me descontrola a falar a qualquer pessoa com
quem eu cruzar na rua que eu te encontrei, que você existe.
Talvez eu tenha mesmo inventado isso.
Acordei e você não estava ao meu lado, nada estava bem. Tentei
me lembrar do que antes me mantinha com esperança. Tentei me
lembrar de onde eu tirava forças. Não consegui. Procurei por
alguma mensagem sua e não tinha, uma ligação recente que não
existia. E toda a rigidez que eu havia galgado, e todo o
sentimento que eu havia petrificado, eu vi se desfazer na minha
frente. Bem na minha frente; na tela impassível do meu celular que só me alerta do tempo que faz que não nos vemos, das
nossas fotos que se tornaram velhas, da nossa música que
nenhuma rádio ousa mais tocar. Guardo tudo.
Venho escrevendo pra ti de partes em partes. A cada dia, uma
nova história. Mas não importa o quanto eu escreva e quantos
dias se passem até que elas cheguem ao fim, serão sempre
minhas, e não nossas.
Sabe, sempre que eu termino um relacionamento tem uma coisa
que me inquieta muito. Não sei ao certo dizer o que é e, às
vezes, penso que seja rejeição. Puro e claro sentimento de
rejeição, de “menos um”, entende? Ou de “quando vai chegar a
minha vez?” Mas a verdade é que eu não consigo definir o que
seja. Nem por que está lá dentro, latente e ardendo. De uma
forma difícil de compreender, até mesmo de se sentir. Sinto
angústia de mudar algumas coisas. Como um adeus.
Mas eu não sei o que tínhamos, o tipo de relação que você me
dava não me saciava. Era muito pouco; não valia a pena. Por
isso, as brigas, os choros, os términos e o fim. Inevitável, sabia?
Eu sabia.
Agora reprimo no peito a saudade. Ela é traiçoeira, sei disso
também. Só consigo me lembrar dos nossos bons momentos, da
sua mania de lamber o lacre do iogurte como se fosse parte do
prazer de comê-lo. Do seu irritante azar de sempre, sem
exceção, desatar o lençol, luva da cama, simplesmente por se
deitar. E agora, vendo-a impecável, me desmorono em lágrimas
a fim de preencher seu vazio. Mas a melhor parte era seu cabelo
bagunçado de todas as manhãs, que denotava a rotina de
nossas noites em claro.
Reprimo no peito a saudade. Ela é traiçoeira, sei disso. Por isso,
me despeço da tua lembrança mais uma vez. Quem sabe é a
última. Eu me policio a dizer qualquer coisa a seu respeito. Nem sempre acaba quando termina. Já aprendi que alguns “adeus”
são mais longos que outros.

500 dias sem vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora