Carta 3

19 3 0
                                    

Meu nome é "ninguém" em especial... Nunca fui a pessoa mais sofrida e tal, mas como outros, tive minhas lutas. Sofri, chorei, caí e me levantei... Durante a minha jornada até hoje, sempre guardei tudo para mim; não gostava que me vissem no fundo do poço.

Já passei por muito; às vezes, pouco por muito, e outras vezes, muito por pouco... Até 2014, a minha vida foi uma mísera máscara de sentimentos... Mas vou contar o meu ano de 2015...

Já fazia uns anos que vivia mal.
Fingia me sentir bem para não deprimir mais ninguém.
Escondia o que sentia,
com medo de arriscar.
Cada hora que passava, eu pensava em suicidar!

Tentava não reagir a toda a piada.
Meu pai já estava cá fora, e só disso me alegrava.
Tínhamos tanta dificuldade financeira;
meus pais mal conseguiam sonhar na travesseira.

Eu imaginava sempre aquela visão fatal,
aquele momento de uma queda abissal,
perceber que toda a minha infância foi fantasia
e que para mim o conceito de viver não existia.

Tentava me mostrar cada vez mais feliz,
mas a cada sorriso falso,
minha apatia subia.
Só pensava em começar a me cortar
e deixar escorrer na pia...

Foi no dia 14 de fevereiro de 2015
que eu, ali sozinho, retido no choro,
estava em casa sem saber o que queria.
Fazia um tempo que só chorava e sofria,
cada dia uma batalha que ninguém via.

Sentia-me só, até mesmo com companhia...
Tinha medo de falar com quem não conhecia.
Sentia-me fraco num mundo que se diz fatal.
Só meu melhor amigo sabia que eu não me sentia normal...

Escondi tudo, até mesmo do meu irmão.
Ele não é de sangue, mas tem um grande espaço no meu coração.
Eu lembrava dos conselhos que ele me dava,
mas mesmo assim, eu só via no meio uma imensa podridão...

Cheguei a ir sozinho até uma ponte aqui perto,
pouco movimentada,
um sonho de suicida.
Em pleno inverno, com o rio a milhão,
palpitava igual à minha pulsação...
Eu me sentei na beirada,
esperando o sinal de OK.
A chuva caía tensa;
tudo isto eu sei.
Meu pai já estava cá fora; não tinha razão de me matar,
mas o problema não era esse,
era a questão de não ter razão para cá ficar.

Num instante, um relâmpago caiu;
vinha um vento cortante, enfim.
E pensei: "será que acaba assim?"
Eu vivia preso num labirinto de lamentos.
Foi tanto bullying, tanto preconceito,
até chegar neste momento de me deitar no leito.

Não tive coragem de me jogar,
talvez por ignorância ou cobardia de acabar.
Mesmo com todos os problemas sem fim...
Eu não me via morto assim...
Enxerguei algo naquele instante que me deu brilho no olhar,
me passou na mente as lembranças de quando tinha ingenuidade na alma e vivia sem pensar...

Saí da beirada da ponte,
com o coração a milhão.
Memórias felizes me lembrei;
não sei se ri ou chorei,
mas sei que ao lembrar me salvei.

Cheguei em casa chorando;
já não dava para perceber se era choro ou chuva.
Fui correndo ver o álbum de fotografias
e pensei: "estes são os momentos em que feliz talvez vivias."
Caí em lágrimas quando pensei o porquê...
o que me levou à beirada?
Imaginei tão egoísta toda esta pisada.
Pensando: se me jogasse, alguém se importaria?
E sozinho, agora em casa, besteira mais uma vez me passou...
Pensei como seria me cortar.
Já ouvi falar que o sentimento é libertador
e que tua mente se esquece que estás mal...

Fui à cozinha, lambido em choro,
peguei na faca do pão...
Olhei pela janela, com a chuva e um dia cinzento,
e falei: DEUS, PEÇO PERDÃO!

Rasguei a pele com um corte ligeiro,
mas já deu para entender o alívio.
O meu choro parou e comecei a rir;
parecia um psicopata rindo em meio a sangue.
A dor era abismal, mas nada mais era importante!
Deixei de me importar com o mundo;
agora eu começo a rir da minha desgraça.
Nesse momento, "desliguei"
e provei a cachaça...
Junto com a dor que meu corpo sentia,
acabei ali parado na minha cobardia.
Encontrei o lado que menos cabia;
até hoje tenho medo dessa minha filosofia...

Nesse momento tudo passou, eu achei meu lado seguro... Todos os anos fingindo estar bem apenas foram um teste para melhorar meu lado ator... E no meio disso, descobri meu lado sombrio... Nesse ano tive meu baile de finalistas e a última visita de estudo com aquela turma que se dizia inseparável... Mal se sabia que chegaria o momento em que mais ninguém se falaria... Mas bem, isso é outra história... Não passei muito tempo me cortando; no início do verão eu parei com esse vício... Mas, ao invés disso, comecei a frequentar um psicólogo, explorei o desporto e comecei a escrever e a desenhar com mais frequência... Tudo parecia estar a começar a se encaixar até que...


















cartas De "Ninguém"Onde histórias criam vida. Descubra agora