Capítulo II

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Fazia horas que Cassian sobrevoava as montanhas illyrianas.

O vento forte chicoteava seus cabelos e trincava seus ossos. Ele precisava — mais do que nunca — de um banho quente e um copo com alguma bebida forte.

Abaixo dele, o acampamento mal passava de um sussurro entre a neve. Poucos chalés brilhavam contra a imensidão da noite, e apenas alguns guardas cobriam a área central, conversando e rindo de alguma piada engraçada que contavam entre si.

Cassian focou seus olhos um pouco nesses soldados. Havia perdido tantos na batalha contra Hybern e era em momentos assim, que ele percebia a familiaridade de seus homens, que a culpa torturava seu coração. Cada centímetros de seu corpo, do primeiro fio do cabelo castanho até o pé, se sentia culpado pelas legiões dizimadas e pelas famílias perdidas. Sentia-se culpado pelos maridos que não voltaram. Sentia-se culpado pelas crianças que cresceriam sem os pais, e pelos pais, que lidariam com a perda de suas crianças. Não deveria ter sido daquele jeito. Mas ele também se lembrava que poderia ter sido um desses, se não fosse por ela. Ele havia sonhado com ela algumas vezes e o momento em que seus ouvidos foram preenchidos por seus gritos chamando seu nome. Mas ao contrário do que aconteceu, se Cassian não tivesse conseguido se livrar, teria sido evaporado como sua legião. Talvez as coisas devessem ter sido assim.

A colina mais alta se revelou, e sobre ela o chalé estava em sua escuridão total. Antes que o guerreiro pudesse por seus pés no chão de grama úmido, seus pulmões foram invadidos pelo cheiro dela; sabonete de flores, metal e magia. Cassian exalou.

Era inegável o efeito que ela causava nele, o tipo de feitiço que nenhum homem gostaria de se permitir sentir e esse foi um dos motivos para protestar quando Feyre sutilmente sugeriu que Nestha ficasse com ele no acampamento.
Ele negou, gentilmente, e disse que não era um lugar adequado à ela justamente pelas perdas e tristeza estarem tão alojadas entre aquele povo. Mas Feyre foi insistente, e rebateu que conviver com a dor dos outros poderia fazer Nestha entender melhor a dor própria, e ele ficou sem argumentos. Mas quem ele estava tentando enganar? O único motivo que Cassian não a queria tão próximo era essa hipnose que ela mantinha sobre ele, e sabia que se chegasse perto de mais não conseguiria se afastar. E ele não queria se afastar.

Ficar com ela em chalé particular foi ideia dele. O chalé de Rhysand é muito pomposo e pouco prático. Camas duras, paredes frias e muito afastado do acampamento. Não era uma casa, era uma coisa para apenas uma noite. Por outro lado, o chalé de Cassian era sua casa, e ele havia preparado para ela. Havia feito tudo para que coubesse em seu gosto e conforto e se sentia um idiota por isso.

Rhys não aprovou a idéia, mas concordou quando o amigo disse que seria bom pois ele poderia ficar de olho nela, mas a verdade, era que Cassian não consegueria se manter sabendo que ela estava em outro lugar que não fosse com ele.

Agora, as janelas da casa estavam completamente fechadas, sem nenhum resquício de luz vindo de dentro. O cheiro dela cada vez mais forte, cegava seus instintos e controlava sua mente. Hesitante, ele abriu a porta.

Se não fosse pelo cheiro inebriante que preenchia o lugar, Cassian poderia jurar que estava sozinho. A sala estava como sempre estava. A lareira apagada, apesar dos graus eletrizantes do frio; todos os objetivos em seu devido lugar; e uma garrafa vazia atirara no sofá. Tudo bem, talvez nem tudo estava em seu devido lugar. O jantar, percebeu Cassian, destampando a bandeja e avaliando a sopa, estava intocado.

Com cuidado, Cassian se livrou dos cintos de armas. Tocou uma de suas asas e percebeu o quanto estava tenso. Respirou fundo, e subiu os degraus que davam para os quartos. A porta do quarto de Nestha estava entreaberta e ele lutou com todas suas forças para impedir de espiar pela frecha aberta. Batalha perdida.

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⏰ Última atualização: Feb 16, 2022 ⏰

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