VI

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Ernesto Battaglia nasceu em Nápoles no dia 23 de julho de 1958, sendo dois anos mais novo que o irmão Cássio.

Quando tinha pouco mais de dois anos os pais faliram ainda lá na Itália. Cesare, seu pai, gastara todo seu dinheiro na intenção de tornar-se um pintor de sucesso, mas acabou se envolvendo em problemas com a sociedade artística da época – incluindo seus mestres e professores – e foi expulso da academia sob pretexto de que era mediocremente falho e de que lhe faltava muito para alcançar a perfeição exigida. Assim, voltaram para o Brasil, país original de sua mãe Anita, e aqui Ernesto terminou de crescer.

A vida desde sempre não foi muito fácil. O pai, reprimido pelo ódio de ter falhado, tornou-se muito exigente e igualmente violento. Queria que os filhos aprendessem seu ofício a todo custo e passou a se tornar muito abusivo conforme os garotos cresciam e a situação apertava.

Diferentemente dele, queria que seus filhos fossem perfeitos pintores, sem margem alguma para eventuais falhas; isso implicava em castigos e torturas toda vez que eles erravam alguma coisa durante suas longas e cansativas jornadas de "aprendizado". Cesare transferiu para os garotos toda a pressão de ser um pintor bem sucedido.

Isso levou Ernesto a consequências severas que abordaremos na sequência. A grande questão é que, quando os Battaglia faliram pela segunda vez, Cesare começou a beber e não tardou a ficar dependente do álcool e de toda e qualquer outra substância que pudesse utilizar, como – e principalmente – os remédios antidepressivos que eram novidade na época.

Quanto mais abusava deles, mais começou a piorar. De início passou a ficar violento e rude com a esposa. Batia nela na frente das crianças isso quando não batia nelas também.

Uma fatídica noite Cesare perdeu o controle. Chegou em casa fora de si. A esposa tentou domá-lo, mas não podia ter feito pior. Cesare acertou-a com uma facada no pescoço. Cássio tentou lutar com o pai e também pereceu. Ernesto permaneceu escondido, imóvel, com medo do que poderia acontecer.

Quando seu pai recobrou a consciência e percebeu o que fez, agarrou a esposa com um braço e o filho com outro e desatou a berrar com tanta dor que nunca se ouvira igual. Acharam-no pouco depois. Ele foi preso, Ernesto foi morar com os avós maternos e os dois nunca mais se viram, principalmente porque Cesare se enforcou dentro de sua cela pouco tempo depois do ocorrido.

Demorou anos para que Ernesto voltasse a falar e interagir sem que fosse por meio de gestos. O trauma havia sido grande o suficiente para marcar todo o resto de sua infância.

Quando já havia se tornado moço, conseguiu uma vaga na faculdade de Belas Artes. Foi lá que conheceu a moça que em poucos anos viraria sua esposa, Dulcineia.

Não ficou muito na faculdade, porém. Como dito anteriormente a cobrança, as torturas e os castigos que havia sofrido acabaram impactando muito na sua vida. Ernesto se tornou extremamente perfeccionista com medo de errar, de ser qualquer coisa menos perfeito. Ele precisava ser perfeito em tudo que fazia, principalmente em suas pinturas. Essa paranoia começou a crescer tanto que acabou tornando-se um grande estorvo, gerando no rapaz muitas e muitas crises que o impossibilitaram de prosseguir nos estudos.

Veja bem, eu não o julgo. Nessa época ele já era surdo de um ouvido devido aos safanões que o pai lhe dava na lateral da cabeça. Não é de se admirar que com o tempo ele tenha se tornado extremamente problemático.

As crises iam e vinham esporadicamente e, diziam os vizinhos, em algumas noites ele chorava como se estivesse sendo torturado. Talvez estivesse. A verdade é que adquiriu um péssimo hábito de se mutilar toda vez que errava. Naquela época ele produziu a maior parte de seus esboços feitos em papel ou em tela, mas nunca terminados. Eram contornos perfeitos que não eram reconhecidos pelos olhos perturbados do próprio pintor. E tudo aquilo foi lhe deixando cada vez pior.

A Perfeição da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora