II

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Quando chegou ao escritório, bateu à porta duas vezes, girou a maçaneta e entrou. Havia três pessoas ali: o guarda do museu, e dois sujeitos que vestiam terno e gravata. O guarda estava chacoalhando a mão de um dos sujeitos sujeito – provavelmente o psicólogo – que se aprontava para ir embora. Assim que ele saiu do cômodo, Ramos se aproximou do homem e estendeu-lhe a mão. Fez o mesmo com o diretor.

– Ricardo Ramos, investigador da polícia, poderia tomar um pouquinho do seu tempo para fazer umas perguntas?

O guarda assentiu. Parecia levemente perturbado. O diretor indicou as duas poltronas em frente à sua mesa, onde se aconchegaram.

– Poderia me relatar, com precisão, o que o senhor viu?

– Ah... Mas já me perguntaram isso...

– Entendo. Porém, cada policial tem uma função. A minha é de ouvir o seu testemunho, juntar com as evidencias e tentar, no fim das contas, encontrar uma explicação plausível para o que houve. Apreciaria muito a sua contribuição – sorriu amigavelmente.

Ganhou o sujeito pelo carisma. Depois de beber um longo copo d'água ele começou a relatar. Explicou todo o procedimento. Primeiro, ele estava vagando pelo corredor. Em breve mudaria de posição para a Ala B do prédio e foi fazer a última vistoria naquele corredor. Foi quando viu o sujeito. De início ele estava parado próximo à redoma de vidro. No segundo seguinte ele segurou a redoma com as duas mãos e acertou-a com sua testa usando toda a força que pôde. O baque foi alto e o primeiro filete de sangue começou a pingar no chão. As batidas continuaram e não levou muito tempo até o vidro rachar e, enfim, estourar, fazendo um barulho imenso. Nesse momento outro guarda chegou e imobilizou o sujeito.

– Eu... Não consegui fazer nada... Eu nunca vi nada daquilo na vida... Acho que era o demônio... Só pode ser... Nunca gostei daquela pintura... Acho que é o demônio!

Colocando a mão sobre o ombro do guarda, Ramos tentou acalmá-lo. Disse que compreendia e que ele não precisava se preocupar. Fariam de tudo para que encontrassem um motivo plausível para tudo aquilo. Enfim, liberou o sujeito, indicando que seguisse as orientações do psicólogo. Nesse momento, o diretor já se arrumava para deixar a sala e, com um gesto formal, indicou para que Ramos fosse em frente.

– Se puder me desculpar, investigador, mas tenho uma reunião urgente com o conselho do museu e os contribuintes. Sabe como é, eles estão confusos.

– Naturalmente – passou pela porta, esperando o diretor trancá-la – Será que eu poderia acompanha-lo até o estacionamento?

– Claro, claro. Inclusive se precisar de uma nova entrevista comigo, poderemos agendar. É que agora...

– Não sei se será necessário. Eu só queria lhe perguntar uma coisinha ou outra.

Caminhavam rapidamente dobrando as esquinas do edifício. O diretor assentiu enquanto procurava a chave do carro.

– O que é que vai ser feito com o quadro? Será destruído?

– Ah não, não, meu rapaz – disse rindo, com uma espécie de leve deboche – Para ser sincero, infelizmente esse tipo de acontecimento só eleva o valor do quadro. Poderíamos conseguir milhões com ele. Mas não seria certo, como você sabe... – fez uma breve pausa até encontrar a chave do carro – Ele será restaurado, como sempre foi.

Chegaram ao estacionamento e ao carro do diretor. Os jornalistas devem ter percebido porque se apressavam rapidamente do carro, deixando o homem nervoso. Ele desculpou-se pela indelicadeza e entrou no carro rapidamente, enfiando a chave e ligando-o. Ramos bateu no vidro que desceu alguns centímetros.

– Compreendi. Ele será restaurado e posto mais uma vez à exposição. Mas não seria perigoso?

– Ah, rapaz. Certamente dobraremos o cuidado da próxima vez para que não se matem para ver o nosso único Battaglia!

– Entendo. E quem ficará encarregado de restaurá-lo. Já tem algum nome? Eu gostaria de conversar, tirar algumas dúvidas.

– Ainda não foi definido. Como você sabe isso foi muito recente, e não é sempre que temos uma tentativa de suicídio assistido dentro de nossa galeria – respondeu de maneira ríspida – Agora, se me der licença...

Os primeiros jornalistas se empoleiraram ao redor do carro, empurrando Ramos que não se intimidou. Apenas assentiu. Porém, antes que o carro partisse, enfiou a mão no bolso e retirou um cartão, esticando-o pelo vão da janela que estava fechando.

– Por favor, me ligue quando tiverem decidido. Eu gostaria muito de falar com a artista.

O diretor pegou o cartão como quem aceita um presente por educação e atirou-o no banco do passageiro. O vidro fechou e o carro partiu deixando Ramos e os jornalistas para trás.

A Perfeição da DorOnde histórias criam vida. Descubra agora