Acho que o melhor momento pra começar é quando eu conheci o Teteu. Foi também o primeiro dia de aula. Eu era novata no Colégio Dom Bosco, e só quem já mudou de escola sabe como o primeiro dia é constrangedor. Você chega lá sem conhecer ninguém, sem saber onde é a sala de aula, sem saber quem são os professores, e isso enquanto parece que todo mundo já se conhece ou tem os grupinhos formados. Esse é o grande problema de mudar de colégio no terceiro ano, às vésperas do vestibular. Você é a alienígena no meio de um mundo de humanos doidos pra devorar o seu cérebro. Eu sei, são zumbis que devoram cérebros. Meu humor é refinado assim mesmo.
Mas bem, o Dom Bosco era o melhor colégio em preparação para o vestibular de Recife. Ele fica entre duas das maiores avenidas da cidade: a Agamenon Magalhães, que corta Recife no sentido norte-sul, indo do bairro de Boa Viagem ao município de Olinda, e a Conde da Boa Vista, que liga o "Recife Antigo" ao "Recife Novo". Existente há mais de cinco décadas, ele sempre foi um dos melhores colégios da cidade, e, recentemente, havia conquistado o topo absoluto no quesito "preparação para o ENEM". Como é de se imaginar, não era um colégio fácil de entrar e a mensalidade era bem cara. Cara demais para que meus pais conseguissem pagar, na verdade. Esse é um dos motivos de eu só ter ido para lá no terceiro ano do ensino médio: levei dois anos de concorrência para conseguir uma bolsa parcial, e isso só foi possível porque eu sempre fui muito boa em exatas. Matemática, física e química sempre foram minha praia, e tirando essas eu nunca dei muita bola para as demais. Como a maioria dos alunos não se dá bem com essas matérias, o Dom Bosco sempre dava bolsas pros melhores alunos de exatas.
Eu cheguei cedo no primeiro dia de aula. Minha mãe sempre dizia que chegar cedo era a melhor forma de causar uma boa primeira impressão. Eu não sei a quem, porque com certeza ninguém pareceu ligar pra hora que eu cheguei. Nunca. De qualquer forma, eu madruguei e fui pro colégio. Cheguei lá quase arrastando o lençol, e minha cara inchada de sono mostrava que eu não havia dormido sequer perto da quantidade de horas que eu queria ter dormido. Acho que isso na verdade causou uma pior primeira impressão, mas as mães têm uma visão diferente do mundo.
Essa é uma boa hora pra dizer que as pessoas geralmente não me consideram muito bonita (apesar de eu já ter tido alguns namoradinhos que diziam me achar linda). Acho que eu não sou suficiente do padrão de beleza dominante para atrair olhares. Eu tenho cabelos cacheados levemente ruivos. Algumas espinhas no rosto, que é normal da idade, e fui sorteada na roleta do azar e caiu pra mim "miopia", o que me forçou a usar óculos praticamente a minha vida inteira. Essa combinação não é exatamente a que os rapazes buscam nas garotas, e, por mais idiota que isso seja, é a verdade.
Eu contei isso pra vocês entenderem que aparência não era um chamativo para mim no colégio. E quem foi pra escola algum dia sabe que o mundo é dividido entre "populares", "excluídos" e "meio-termo". Meio-termo é aquele que ninguém sabe realmente se tá mais perto do popular ou do excluído. Excluído é aquele que tem poucos amigos e nunca está nos holofotes - a não ser pra coisa ruim. Popular é exatamente o contrário, e eles geralmente são os bonitões do colegial. Eu não tenho vergonha nenhuma de dizer que na maioria das vezes estava no grupo dos excluídos, e por vontade própria. E o Teteu também estava, muito claramente.
Depois de entrar no colégio eu fui direto procurar a sala de aula. Não foi muito difícil: um quadro havia sido afixado na praça principal, e os nomes de todos os alunos com as salas correspondentes estavam lá, em várias fichas brancas que mais lembravam um listão de vestibular.
Quando eu entrei na sala não tinha quase ninguém lá. Uma garota de cabelos pintados de vermelho que depois eu quase me tornei amiga, e, sentado no fundo da sala, escondido por trás de um óculos fundo de garrafa, estava o Teteu. Ele estava jogando algo no celular, mexendo abobalhadamente o aparelho para cima e para baixo. Eu simpatizei com ele de cara e fui sentar ao seu lado.
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Lila
General FictionEsta é uma história sobre um mundo que existe por detrás de outro mundo. Por detrás do "nosso" mundo. Esqueça o que você acha que sabe sobre o mundo para além. Esqueça sobre vampiros, lobisomens, fadas, fantasmas ou zumbis, porque a verdade é que nã...