Epílogo

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Delegacia de Polícia do Espinheiro, 4o Distrito - Recife / PE

Data: 21/12/2014

Hora: 00:40


O delegado Ernesto Tedelezzi levantou-se e caminhou até a janela, observando a madrugada recifense que se abria à sua frente. Era uma noite de chuva - uma raridade naquela época do ano. O verão já se avizinhava, e o período mais frio do inverno estava ficando para trás. Ele tirou do bolso um maço de cigarros Marlboro e, puxando um, o acendeu, olhando-se refletido no vidro da janela. Às vezes ele se impressionava como o tempo havia passado rápido. Tinha 56 anos, e os cabelos brancos começavam a vencer o combate que há tanto tempo travavam com os cabelos negros. A testa, com marcas fundas de rugas, estava contrita, e suas sobrancelhas quase juntas demonstravam que ele não estava em um dos seus momentos mais tranquilos. Pelo contrário: Tedelezzi estava preocupado. Preocupado com o incêndio e com as implicações de toda aquela cena criminosa, mas, mais do que isso, preocupado com o que aquilo podia significar para ele.

"Trinta anos... trinta longos anos", pensou ele, sentando-se na cadeira. Ele estava na própria sala, dentro da delegacia. A sala que sua esposa havia ajudado a decorar, colocando roseiras nos móveis e quadros nas paredes. Depois dele ter precisado fazer duas cirurgias cardíacas, bem estar tornou-se uma de suas maiores prioridades. Apesar disso, contudo, ele não passou a trabalhar menos - como comprovado pelo momento em que ele trabalhava; Já eram quase três da manhã, e tirando os oficiais plantonistas ele era a única pessoa lá dentro. "Trinta anos desde que entrei na força, e agora, tão perto..."

É, ele estava perto mesmo. Perto de ascender ao próximo degrau da carreira, quando abandonaria as funções diretas de polícia e passaria a integrar a Secretaria de Defesa Social, respondendo diretamente ao governador. Longe das ruas, dos crimes pesados, do contato direto com criminosos, do risco de morte. Pouco mais de um ano antes um de seus melhores amigos, também delegado, havia sido morto por uma facção criminosa - ele estava fazendo um trabalho bom demais para que pudesse continuar vivo. Aquela era a vida de um delegado: sempre sob risco. Mas agora, perto dos sessenta, Tedelezzi havia cansado. Para ele o que importava era se cuidar, e cuidar dos seus. Seus filhos estavam na faculdade, sua esposa estava perto de se aposentar, e ele havia vivido emoções demais para uma única vida. Subir para a Secretaria era o caminho para ele obter a paz que tanto almejava. Aquela era uma promoção pela qual ele lutara durante toda a sua carreira. Ele só não imaginava que viria daquela forma.

Uma batida surda na porta o tirou de seu devaneio. Havia chegado a hora. O delegado levantou-se e abriu a porta, deixando o homem estranho entrar. E ele era realmente estranho. Pra começar ele era quase anormalmente alto, contando com aproximadamente dois metros de altura. Era extremamente branco, tinha olhos fundos, olheiras pronunciadas e era careca. Além disso, usava um casaco longo que cobria quase todo o seu corpo. Os olhos dos dois homens se cruzaram e Tedelezzi sentiu os pelos da sua nuca se eriçarem. Parte de seu pensamento se voltou para o que estivera escrito no diário - o diário fantasioso que ele tanto fizera para desacreditar.

- Você o tem? - perguntou o homem, sentando-se na cadeira em frente à mesa. Sua voz era densa e forte, além de confiante. Era um estilo de voz que Tedelezzi, como delegado, geralmente não escutava em sua sala. Ali era ele quem mandava. Quase sempre.

O delegado apenas olhou para o visitante, analisando-o. Então colocou a mão sobre o inquérito policial em cima da mesa.

- Aqui tem uma transcrição exata das informações. Não basta?

- Não. Precisamos do original.

O delegado suspirou.

- E, em troco disso, você cumprirá o seu lado da promessa?

- Certamente. Sou um homem de palavra. O diário pela promoção: esse foi o acordo.

Era aquilo. O que o delegado mais ansiava durante sua vida, e o preço era um diário velho e puído. Insignificante. Ele não sabia por que hesitava. Não fazia sentido. Talvez fosse o policial honesto que sempre vivera dentro de si, e que, apesar de tudo que já vira na vida, jamais se corrompera. Mas seria aquilo realmente uma corrupção? O diário não serviria de nada para a investigação, porque ele já tinha tudo no inquérito.

Ele estendeu a mão ao bolso, tirou uma pequena chave dourada e abriu uma das gavetas da mesa. De lá tirou um diário simples de capa preta, colocando-o sobre a mesa, mas não o passou ao outro homem.

- Algumas coisas nos fazem duvidar da realidade. Esse diário fantasioso, por exemplo. Um monte de baboseira escrita por uma jovem que provavelmente usava drogas demais. Pelo menos foi isso que eu pensei quando o analisei pela primeira vez. Mas, sabe, agora, aqui, com você me pedindo este diário... me faz pensar.

- Pense o quanto quiser, desde que cumpra o seu lado do pacto.

- E se eu não quiser? - perguntou o delegado.

O outro homem não respondeu, limitando-se a observá-lo com um olhar duro. Mas algo naquele olhar fez com que Tedelezzi entendesse perfeitamente os riscos envolvidos. "Merda...", pensou ele, sabendo que aquele homem muito provavelmente era um dos Duzentos. Somente aquilo explicaria o esforço dele de receber o diário, não? Tentar apagar as provas do suposto assassino que estava escondido na mansão. Mas, como já havia sido dito, tudo havia sido transcrito para o inquérito. Então...:?

O delegado empurrou o caderno para o outro homem, que deu um sorriso. Ele pegou o diário e guardou-o num bolso do casaco, levantando-se.

- Você escolheu bem, delegado. - disse ele, enquanto enfiava a mão do outro lado do casaco. Por um instante Tedelezzi segurou o impulso de pegar a arma que carregava na cintura. - Aqui está. É todo seu.

O estranho colocou um envelope na mesa. O delegado o abriu e, de lá de dentro, retirou um papel. Era um ofício timbrado, com uma assinatura de punho do próprio governador, nomeando-o Delegado Assistente do Secretariado. Era oficial.

- Você já tinha isso? E se eu não tivesse aceitado? - perguntou o delegado, surpreso.

- Nós sabíamos que você aceitaria. E, bem, caso o impossível acontecesse... como é que dizem mesmo? "O papel aceita tudo". - disse o homem, levantando-se e indo na direção da porta.

- Me responda uma última coisa, antes de sair. - disse o delegado. O estranho parou e virou-se - Por que fazer isso tudo por um diário? Como eu disse, nós já temos as informações no inquérito. Isso não vai proteger o homem de vocês.

O estranho levantou uma sobrancelha rala.

- Que homem?

- O agente de vocês. Que estava na casa. Nós sabemos.

Se o delegado havia surpreendido o estranho, este certamente não deixou transparecer. Depois de alguns segundos ele balançou a cabeça.

- Você foi muito solícito, então eu lhe responderei. Isso não é sobre o assassino que estava na casa. Ele não importa. Isto é sobre a garota.

- A garota?

- A que escreveu o diário.

- Não foi ela que escreveu, obviamente.

- Como você pode ter tanta certeza?

- Porque ela está morta. O legista atestou. A prova dos dentes bateu com cem por cento de certeza. - disse o delegado, perplexo.

O estranho sustentou o olhar do delegado, então, abrindo um sorriso medonho, deu uma piscada de olho e virou-se, saindo da sala.


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