Inkara me visitou várias vezes nos dias seguintes, quando não havia risco de interrupção. Nós conversamos sobre aquele poder: sobre o que ele era, sobre como controlá-lo. Ela não sabia sobre a filosofia da luz - de onde ela vinha ou o porquê. Ou, se sabia, preferiu não me contar. Mas ela sabia controlá-la, e isso era mais do que suficiente. Eu tentei perguntar sobre o que nós éramos, mas ela sempre fugia do assunto.
Tudo isso foi feito na calada da noite, no meu quarto. Na maioria das vezes ela apenas ficava sentada na janela, como fizera da primeira vez que viera até mim. Depois ela me ensinou a manipular a energia. A trazê-la para fora quando eu quisesse, e não apenas quando minhas emoções permitissem. Aquilo foi difícil, porque demandou muito tempo de prática. "Encontre o seu eu interior, a energia vital que pulsa em suas veias", disse ela. Aparentemente esse era o caminho para eu canalizar aquela energia, mas era muito mais fácil dizer do que fazer. Muito mais.
Eu demorei semanas até ser capaz de fazer aquilo - semanas nas quais Inkara me visitava apenas uma vez, para acompanhar o meu progresso. No começo eu nem conseguia sentir nada. Digo, nada de energia, porque eu me sentia uma bobalhona fazendo força e me concentrando na frente do espelho, buscando uma fagulha que fosse. Era como se eu estivesse aprendendo reiki por ensino à distância, o que, bem, nunca foi lá meu estilo. Mas depois dessas primeiras semanas eu consegui. Veio fraco no início, apenas algumas poucas partículas soltas de luz. Depois foi aumentando, até eu conseguir emitir do mesmo jeito que fiz na primeira vez. Mas como nada é fácil, eu passei mais uns 10 dias tentando conseguir repetir o feito, sem sucesso.
De qualquer forma, eu começava a me sentir muito especial. E de certa maneira eu acho que eu era, porque teoricamente eu era capaz de fazer coisas que ninguém (ou quase ninguém) era capaz de fazer. Essa realidade diferente foi a válvula de escape que eu precisava. Para sair da pressão da doença da minha mãe, das inimizades do colégio, da iminência do vestibular, da obrigatoriedade dos estudos. De tudo. Foi como se uma nova realidade se abrisse à minha frente, me tornando mais, e eu abracei aquilo com uma voracidade que eu não tinha demonstrado para praticamente nada da minha vida até então.
O treinamento só continuou quando tudo deixou de ser tão difícil. Aí nós passamos para o passo seguinte: controlar a energia. Porque veja, queridíssimo papel, chamar a energia é uma coisa. É um passo extremamente importante, e completamente essencial. E difícil pra c**. Mas trazer a energia para o mundo é apenas o primeiro passo para aprender a usá-la, e isso é muito diferente da capacidade de controlá-la. Aquilo, na verdade, era o que realmente era complicado. Porque parte da "aparição" (como eu comecei a chamar o ato de trazer aquela energia para o mundo) era caracterizada exatamente pela sua forma espontânea. A energia fluía de acordo com sua própria vontade, e não de acordo com a minha. Eu sequer era capaz de organizar os fragmentos de luz como Inkara fizera, transformando-os em ondas, quanto mais direcioná-los para os meus braços.
- Controlar a luz é uma arte que demora bastante a ser aprendida, Lila. Não apenas para você, mas para todos os outros. - disse ela, do seu jeito sempre despojado.
- Você disse isso na parte de só fazer a aparição também. - respondi, irritada, ainda tentando me concentrar para fazer com que a energia que pairava ao meu redor obedecesse aos meus comandos.
- De fato, e é verdade. Todos demoram muito. Você levou um mês, o que foi estranhamente rápido, e é uma prova inconfundível do seu talento pra isso. Mas até os mais vocacionados precisam se esforçar.
Eu continuei tentando por alguns minutos, tremendo com o esforço, mas nada aconteceu. Naquela noite a gente estava na primeira sessão de treinamento fora do meu quarto. Inkara havia me levado a uma pista de boliche abandonada na Torre, um bairro de classe média da cidade, a duas dezenas de minutos de onde eu morava. Era um lugar decadente, com luzes pendendo frouxamente do teto, madeira apodrecendo e objetos aleatórios largados em praticamente todos os lugares. As bolas de boliche que já haviam sido usadas tantas vezes finalmente descansavam, intocadas há anos por mãos humanas - ou ao menos era isso que parecia indicar a grossa camada de poeira que as cobriam. A característica específica da energia chamaria a atenção de qualquer um que nos visse em um lugar aberto, daí a necessidade de ir até aquele galpão fantasmagórico.
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Lila
General FictionEsta é uma história sobre um mundo que existe por detrás de outro mundo. Por detrás do "nosso" mundo. Esqueça o que você acha que sabe sobre o mundo para além. Esqueça sobre vampiros, lobisomens, fadas, fantasmas ou zumbis, porque a verdade é que nã...