O Fim - 2

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André levantou-se, cauteloso, e foi até a parede do outro lado. Mas seu olhar não revelava mais medo, e sim confusão. Eu vi quando Ana Clara foi para o seu lado, segurando-se nele, mantendo-se longe da labareda do sofá que agora havia dominado a madeira do relógio e espalhava-se pelos tapetes da sala. Eu olhei para a piscina e não vi sinal do Tavinho nem da garota que eu havia ignorado.

- André, eu... me desculpe. - minha voz saiu rouca e fraca, como se não fosse minha.

- Vamos, garota, acabe com isso. Eu estou esperando. - a voz viperina, quase sussurrada, fez os pelos da minha nuca se eriçarem. A luz pareceu responder também, movimentando-se inquieta.

Eu me virei rapidamente e vi o humano mais bizarro que eu já havia visto na vida sentado de cócoras nos degraus mais altos da escada. Ele abaixava a cabeça intencionalmente para ver a sala, encostando-a no teto. Era extremamente branco, praticamente albino, e seu nariz e boca eram finos, como fendas. Seus olhos eram pequenos e arredondados, e o sorriso que ele deu quando eu o notei mostrou uma fileira de dentes afiados e ameaçadores. Os olhos da criatura saltaram de mim para André e Ana Clara, que estavam estáticos no mesmo lugar, assustados demais para se movimentarem. Eu ainda me pergunto por que eles não correram para longe dali. Parecia ser a resposta adequada. Mas eles apenas ficaram e observaram - talvez a situação inteira fosse surreal demais para simplesmente fugir de volta ao cotidiano comum.

- Então...? Se você demorar demais eles vão fugir... - sibilou a criatura, apontando para o casal quase atrás de mim. Só agora eu notei os seus dedos: eram alongados e finos, quase como garras, e as unhas eram escuras e brilhantes, como vidro negro.

Eu não respondi. Apenas virei-me para ele e o observei, gravando os detalhes medonhos daquele ser. André e Ana Clara colocaram-se atrás de mim instintivamente, como se de algoz eu houvesse virado sua protetora. Lentamente eles caminharam em direção à área da piscina, por onde eu havia entrado.

A criatura notou esse movimento, porque suspirou. Ela estendeu a mão, pegou algo no andar de cima e jogou na nossa direção. O impacto surdo foi seguido pelo imediato grito de Ana Clara quando a cabeça de Jéssica rolou na nossa direção, espalhando sangue pelo piso de mármore, os olhos abertos, acusadores, aparentemente nos encarando. Havia medo em seu rosto: um medo que havia ficado congelado do momento antes de morrer. Aquilo era...

Nós não tivemos tempo de pensar, porque aquele ser estranho saltou da escada, caindo em cima de um dos sofás, sinuosamente caminhando na nossa direção. Ele tinha um jeito curvado de caminhar, como se fosse um corcunda, com os braços longos pendendo ao lado do corpo e as pernas dobradas, quase agachado. Na cabeça raspada havia manchas escuras que pareciam se movimentar, como se estivessem vivas.

Eu me lembrei imediatamente das palavras de Inkara. "Em alguns a sombra é mais forte que a luz...". Seria aquilo a que ela se referia?

- Uma Lucenti em fúria é algo que eu nunca havia visto antes. Qual foi a minha surpresa ao estar passando e sentir o calor da sua raiva... pode-se dizer que eu tive sorte. - disse ele, andando a esmo pela sala, desviando das chamas e mantendo uma distância segura de mim. - Agora você não está mais tão... acesa.

Eu não respondi, limitando-me a continuar o observando. Ele estava descalço, mas usava uma calça surrada e um casaco preto que cobria-lhe os braços. Instintivamente eu me movimentei na direção da piscina, seguindo André e Ana Clara, sendo acompanhada pelos movimentos cautelosos daquele ser estranho.

- Onde está o outro? - perguntou ele, cheirando o ambiente. - Eu não sinto mais ninguém por aqui.

Acho que a dúvida em meu rosto denunciou que eu não fazia ideia do que ele estava falando.

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