Claude Frollo ainda tentava entender o que havia acontecido. De todas as coisas que a Igreja lhe ensinou, o estranho funcionamento da vida após a morte não fora uma delas. Sempre lhe foi ensinado que o reino dos céus o estaria esperando quando desse seu último suspiro, conforme previa o evangelho. Mas tudo o que teve foi a solidão e frieza do purgatório. Um lugar que estava para além do tempo, onde areias escuras e mar cinzento se fundiam e se estendiam sob seus pés a perder de vista. Ele rezou por dias intermináveis, até que finalmente Deus teve piedade de sua alma e enviou um de seus anjos em seu encontro. Sua luz era tão intensa que Frollo mal pôde olhar para a criatura, temendo que seu brilho o cegasse, mas sua fragrância primaveril invadiu suas narinas e encheu seus pulmões com o sopro divino da vida.
— Não tema, pois venho em nome do Senhor. Há apenas uma forma de redimir os seus pecados, mortal. — O anjo lhe disse, enquanto Frollo sentia sua pele queimar com a proximidade do ser luminoso. — A Pedra Filosofal. Recupere-a da bruxa-
— Pedra Filosofal? Tal qual os alquimistas usavam em suas heresias!?
O ardor se intensificou. O que antes era como uma tarde sob Sol a pino agora era como se cada centímetro de seu corpo estivesse mergulhado em água escaldante. Mas afinal no que ele estava pensando ao interromper um anjo do senhor!? Frollo se julgou sortudo por não ser imediatamente jogado ao inferno por tal apostasia.
— Aquela que ousaram tentar replicar, mas nunca conseguiram. A original, feita com gemas retiradas do próprio Santo Graal. Uma bruxa a roubou, e cabe a você, um legítimo servo do senhor, recuperá-la.
O juiz tentou falar novamente, mas ao invés de palavras, o que saiu de seus lábios foram grunhidos de dor e murmúrios inintelegíveis.
— A bruxa está em Paris, e é para lá que será enviado. Vá, e conquiste sua redenção.
O anjo esvaneceu-se assim como seu calor. Frollo acordou em seus aposentos no Palácio da Justiça, seus lençóis e fronhas ensopados de suor. Sua respiração estava pesada e seu coração acelerado como nunca esteve, mas apesar dos tremores e do suor frio, não haviam queimaduras.
Levantou da cama, perguntando a si mesmo se havia sonhado com tudo aquilo. Abriu as janelas e contemplou a cidade abaixo; Paris o recebia com seu gélido vento do fim do inverno, que já havia sido rigoroso, mas que naquela hora era muito bem vindo. Ao longe, a suntuosa Notre Dame se erguia com imponência sobre todas as outras construções.
Ali, entre o medo de estar perdendo sua sanidade e a dúvida hesitante sobre ter tudo sido tudo apenas um sonho, assistiu o nascer do Sol em oração. Ou ao menos tentou. Deixou escapar um suspiro de horror ao abrir os olhos e notar que a escuridão persistia, mesmo já tendo passado a muito a hora da alvorada.
— Meu Senhor, se sou mesmo seu escolhido, se as visões que perturbaram o meu sono foram verdadeiras, mande-me um sin-
Sequer teve tempo de pedir-lhe um sinal. Sem avisos, o vento soprou furiosamente janela adentro, apagando todas as velas e derrubando livros das prateleiras. O ministro lutou contra sua janela, que se recusava a fechar devido a força dos ventos. Por vezes achou que ele mesmo seria derrubado, até que finalmente a fúria invisível que chicoteava seu rosto e penetrava suas roupas cessou.
Aliviado, trancou sua janela e pôs-se a recolher tudo o que o vento havia tirado do lugar; mapas, livros de anatomia, livros de direito, e... O livro sagrado. Este último caiu aberto com as páginas viradas para o chão. Ajoelhou-se para pegá-lo, virando-o em suas mãos com cuidado, e foi então que teve seu sinal:
"E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei com que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis."
Era o versículo iluminado por um único feixe de luz solar que agora finalmente escapava por entre as frestas da janela. Ezequiel, 36:27. Os olhos do ministro se arregalaram. Ainda de joelhos fechou os olhos, envergonhado por ter duvidado da palavra do Senhor. Ergueu os olhos aos céus e agradeceu. Clamou por um sinal, e seu bom Deus agora havia lhe dado.
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Ad Redemptio
FanfictionQuando os deuses do submundo estão entediados, eles se divertem jogando com mortais, manipulando-os para que se enfrentem em uma batalha fatal. Os alvos da vez são Claude Frollo e Esther Gothel. Mas nem tudo saiu como o planejado, e os dois acabam s...