GOTHEL SABE MAIS

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Encontrar o dito pátio dos milagres não exigiu tanto esforço quanto Gothel presumiu que exigiria. Tudo o que precisou fazer foi se aproximar do primeiro grupo de ciganos que encontrou e contar histórias. Algumas que havia escutado em suas viagens, outras que havia ela mesma inventado. Uma breve leitura de mãos, um jogo de cartas... E rapidamente ganhou não só a confiança, mas também o respeito deles.

Por mais que tivessem sido lançados à margem da sociedade e condenados à criminalidade, eram em geral ingênuos e crédulos, rapidamente se prontificaram a levá-la ao seu pátio... O que Gothel não esperava era ser vendada e ter as mãos amarradas para tal.

— Não se preocupe, é pra sua segurança. — Disse um homem, e foi o que a impediu de reagir. Não eram tão ingênuos assim, afinal.

Se deixou ser levada pelas ruelas de Paris. Como estava habituada a não depender apenas da visão, usou seus outros sentidos para se situar. Pelo tato notou que o vento já não chegava mais diretamente até sua pele; pela audição notou quando os passos começaram a ecoar contra paredes próximas, e pelo olfato sentiu o odor pungente dos esgotos da cidade. Haviam entrado no subsolo. Contar e memorizar os passos dados e esquinas viradas era uma das técnicas que usava desde menina para não se perder em florestas durante a noite, e quase sempre dava certo, então resolveu aplicar ali o mesmo método.

Após alguns minutos de caminhada, o barulho de pedras se movendo provocou um leve tremor sob seus pés. Provavelmente uma passagem secreta. A procissão dos proscritos ainda tomou mais um tempo até finalmente anunciarem a chegada. Tiraram sua venda e desamarraram suas mãos, deixando-a de pé em frente a um conjunto de pessoas que a olhavam com desconfiança.

— Então você é a recém-chegada... — Um cigano moreno com cavanhaque ralo e dentes falhados se aproximou, circulando-a para inspecioná-la com cautela. — Como se chama, forasteira?

— Pode me chamar de Madame Gothel.

— "Madame", hum? — O cigano pôs os braços para trás e parou diante da bruxa. — E de onde a madame é?

Gothel sabia que aquilo possivelmente era uma pegadinha. Não não sabia por onde aquele cigano já havia andado, nem quem ele conhecia, então não podia arriscar responder qualquer mentira e ser desmascarada. Também não arriscaria ser sincera e acabar tendo que responder uma série de perguntas a respeito de um local do qual mal se lembrava, então decidiu ser criativa.

— Ora, meu bem... — Sorriu, abrindo os braços com seus trejeitos teatrais — De todos os lugares, e de lugar nenhum. Não se tem pátria quando o mundo inteiro é seu. Do oriente distante às praias do extremo sul, não há terra que meus pés já não tenham pisado.

— Você já esteve mesmo no oriente? — Uma moça de cabelos louro-acizentados dá um passo à frente, com curiosidade no olhar.

— E como é o extremo sul? — Um homem careca levantou a cabeça do pequeno pedaço de madeira que entalhava.

Em poucos segundos, a atenção de todos estava ainda mais voltada à Gothel; antes em julgamento, agora em curiosidade. O único que não parecia entretido era o cigano de cavanhaque, que ainda a inspecionava com certa desconfiança.

— Se viajou tanto, com certeza tem boas histórias para contar, não? Vamos lá, compartilhe conosco um pouco de suas aventuras! — Um dos ciganos que a havia guiado até ali lhe disse, cruzando os braços.

"Esses dois estão desconfiados... Devem ser os líderes, e esse na minha frente certamente é Clopin, o dito 'rei' cigano." — Gothel podia dizer pela postura dos outros em relação a eles. Ao "rei" era dado bastante espaço, e ninguém se interpunha em seu campo de visão. O segundo em comando só falou depois que o líder acabou de falar, uma atitude que demonstrava respeito. Por sua experiência, Gothel sabia que diferente de reis de verdade lideranças entre a ralé dependiam do apoio de quem os seguia e raramente tinham de fato a palavra final em algo. Portanto, ela não precisava cair nas graças deles, mas sim dos que estavam à sua volta. Se os outros gostassem dela, matá-la iria fazê-los parecer injustos e cruéis, consequentemente enfraquecendo sua influência sobre seus seguidores. Era um fenômeno que ela já viu acontecer várias e várias vezes.

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