Pelo drama

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O Doutor gostava dos períodos noturnos na UNIT. Boa parte dos funcionários já havia ido embora, permanecendo apenas alguns guardas e oficiais que não tinham tanta familiaridade com o jeitão do Doutor para se preocupar em importuná-lo. Era nessas horas, ele descobriu que poderia trabalhar com tranquilidade em tentar consertar o desmaterializador da TARDIS, e fazer qualquer outro reparo que precisasse.

A tranquilidade foi interrompida com uma batida na porta, que o fez conectar o fio no lugar errado e soltar uma faísca. Maravilha, resmungou, já de mau-humor. Ele ouviu a porta abrir, e, de costas, reclamou: "Quem quer que seja, achei que os funcionários do período diurno já haviam lhe instruído para não vir ao meu laboratório a essa hora."

"Pode fazer uma exceção pra mim?", veio uma voz feminina e fina.

Ele se virou surpreso, com uma sobrancelha erguida.

"Jo? O que faz aqui essa hora da noite?"

A jovem assistente avançou pela sala, olhando à volta como quem não queria nada.

"Um passarinho me contou que você teria um compromisso hoje no terraço da UNIT", ela sorriu, como alguém que sabia demais sobre algo.

O Doutor a encarou, desconfiado, para dizer o mínimo.

"Que história é essa, Jo?"

"Ah, digamos que hoje é uma data especial, o que significa que não há problema algum em você parar por um minutinho pra descobrir o que é!"

O Doutor parou para pensar. Natal e ano novo já haviam passado. Ele sabia que o aniversário de Jo e do Brigadeiro também. Seu aniversário? Nem ele se lembrava...

A menos que...

"Jo... o Mestre tá envolvido nisso?"

Ela deu uma risada e fechou os lábios com um zíper imaginário. O Doutor correu e segurou-a pelos ombros e sacudiu-a.

"Jo! Me escute. Ele te ameaçou? Hipnotizou? Falou que iria mostrar alguma foto minha quando era moleque? Ele já usou essa uma vez! Desgraçado do caralho."

"Não! Eu me ofereci pra ficar e ajudar. Por favor Doutor, eu juro que não é uma armadilha dessa vez. Inclusive, eu pedi pros guardas checarem todo o quartel por bombas ou coisas do tipo. Acho que eles já estão até acostumados com as visitas do Mestre", ela cruzou o braço com o dele. "Vamos?"

"Tudo bem..." o Doutor passou a mão pelo rosto. "Vou só apagar as luzes."

Ao dar as costas, ele ouviu Jo dizer: "Poxa, eu devia ter pedido essas fotos..."

"Ai garota pelo amor de deus."

*****

Ainda desconfiado, o Doutor subiu o breve lance de escadas até o terraço, seguido por Jo. Abrindo as portas, ele viu o Mestre - ele trajava um terno chique, como sempre, mas aquele parecia ainda mais chique que o comum. Mas não foi sua maior surpresa no cenário. Uma mesa de jantar de duas cadeiras com vinho e um prato chique, que ele não conseguia identificar. Ao centro da mesa, uma rosa vermelha. Pelo resto do terraço, haviam vários outros vasos de rosas (pelo menos não eram narcisos). E, logo acima deles, o céu estrelado.

"Meu querido Doutor", disse o Mestre em um tom suave e charmoso. Ele apagou o charuto no corrimão da sacada e deu um passo a frente. "Que maravilha vê-lo nesta noite. Sente-se, por favor", e puxou uma das cadeiras, fazendo sinal com a mão para que ele se sentasse.

O Doutor encarou-o, depois encarou a mesa, e novamente o Mestre, e novamente a mesa, e... e aí ele sentiu um cutucão nas costas. Era Jo, querendo que ele seguisse em frente.

Ele se aproximou lentamente da mesa, mas ainda sim não sentou.

"Que porra é essa, Mestre?"

Este comprimiu os lábios, olhando gentilmente para Jo. Ela entendeu o recado: "Beleza, vou deixar os dois sozinhos! Divirtam-se, e não façam nada que eu não faria. Ou façam. Eu não sei o tipo de coisa que vocês Senhores do Tempo curtem... ok, sem pressa, já estou indo! Bom jantar pra vocês dois!", e fechou a porta do terraço.

O Doutor se voltou para o velho amigo e inimigo, e seu olhar demandava uma explicação.

"Ora, Doutor! Vá dizer que não lembra que dia é hoje?"

"Não faço a mínima ideia. É meu aniversário?"

"Não, seu aniversário foi mês passado, lembra, eu te dei uma poltrona nova de presente com toca música, massageador cinco velocidades e ajustador de coluna praquele teu problema na lombar."

"Era um Auton."

"Ah, verdade. Mas não diga que não me dedico à nossa relação, Doutor, não só colocando alguma cor na sua vida miserável aqui na Terra, mas também sendo o único que se lembra dos nossos aniversários de casamento", ele disse a última frase com um tom passivo-agressivo.

Ah...

O Doutor pigarreou, sentando-se à mesa e colocando o guardanapo sobre o colo.

"Você sabe, meu caro, estar isolado aqui na Terra em dias monótonos não faz minha memória para datas melhorar em nenhum aspecto."

O Mestre, agora igualmente sentado e com o guardanapo sobre o colo, ergueu uma sobrancelha: "Monótonos?"

O Doutor sorriu. "Exceto os dias em que você está aqui, é claro."

Satisfeito, o Mestre abriu a garrafa de vinho e o serviu em ambas as taças.

"Heartshaven."

"O melhor de Gallifrey, hein?"

O Mestre o olhou nos olhos, elevando a taça ao rosto. Antes que pudesse saborear a bebida, respondeu: "O melhor para você, é claro."

O Doutor sentiu um rubor em suas bochechas. Pelo amor de deus você não tem mais cinquenta anos, para com essa porra!, pensou consigo mesmo. Depois de um gole de vinho, ele olhou desconfiadamente para a comida.

"Você não teria colocado nenhum veneno aí, teria?"

Parecendo levemente ofendido, o Mestre bufou: "Meu querido! E matá-lo no nosso aniversário de casamento?"

O Doutor tomou mais um gole do vinho e deu de ombros: "Você sempre gostou do drama."

"Isso é verdade. Mas não é o que eu procuro hoje", declarou o Mestre, estendendo uma mão sobre a mesa. O Doutor hesitou. Mesmo que aquela fosse uma ocasião especial, ainda havia muita coisa entre eles. E o Mestre sentiu isso.

"Remoendo o passado? Só me dê essa noite, Doutor. Uma trégua. Por nós. Essa sempre foi nossa prioridade."

Depois de um breve momento de consideração, o Doutor deixou a tensão cair de seus ombros e, lentamente, estendeu sua mão até que ela encontrasse a do Mestre. E no resto daquela noite, eram apenas os dois, e as estrelas.

*****

No dia seguinte, o Doutor arrastou-se para fora de sua cama com uma ressaca, apenas para encontrar o quartel da UNIT em estado de emergência. Aparentemente, uma espécie de organismo alienígena havia se infiltrado e se espalhava pelo ar com o pólem de rosas. Quando o Brigadeiro bateu na porta da TARDIS, o Doutor considerou brevemente a questão e se valeria a pena se estressar com isso em meio à ressaca.

"Brigadeiro, olha o meu estado cacete. Só bota a UNIT em lockdown e eu resolvo isso amanhã. Pede pra Jo me levar um cházinho na TARDIS, tá? Obrigado", e fechou a porta da TARDIS na cara dele. Sim, no dia seguinte ele resolveria isso, e consideraria um divórcio.

Pelo Resto de Nossas VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora