Oberon

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Eu corro, apenas a lua guia meus passos entre as árvores da floresta, enquanto lágrimas cobrem minha face. Galhos e espinhos arranham meus braços e meu rosto, mas não consigo me importar - chamas ardem e pessoas gritam em minha mente enquanto revivo aquelas cenas de terror de pouco tempo atrás. Tropeço entre raízes e troncos, tentando me afastar para o mais longe possível, fugindo dos pensamentos que insistem em me perseguir.

Por fim, me deixo cair à beira de um lago, com a cabeça entre as pernas, soluçando e tremendo com o sentimento de perda que me assola. Não sei quanto tempo passo ali, apenas lamentando, mas em certo ponto da madrugada as lágrimas cessam, e me bate apenas um profundo sentimento de apatia. Eu perdi tudo: meus pais, tão carinhosos e amáveis, que sempre me faziam sentir pertencente a algum lugar; minha pequena irmã, com seus sorrisos sinceros e inocentes, e risos que faziam meus dias mais escuros se tornarem menos ruins; meus amigos, que conheci a minha vida toda.

Após muito tempo, sinto um certo calor tocando minha face. Abro os olhos e percebo que o sol está nascendo, sua luz refletindo na água e se dirigindo a mim. Percebo que não sei exatamente o que aconteceu com todos aqueles que conheço - talvez alguém tenha conseguido escapar, como eu. Decido então retornar até a vila, mas o caminho de volta demora muito mais, pois caminho temeroso do que irei encontrar quando chegar lá.

Depois de muito caminhar e pensar, chego à beira das árvores, e atravesso para o campo aberto após um momento de hesitação. A imagem que vejo é chocante, forte o bastante para me fazer cair de joelhos, as lágrimas retornando, agora em menor intensidade do que antes.

As casas que antes eram belas e imponentes agora estão em ruínas. Telhados e paredes desabaram, vidros foram quebrados, portas arrancadas dos batentes em meio à correria. Alguns pontos ainda queimam, as chamas dançando como que para me provocar. Também vejo corpos, espalhados por todos os lados. Alguns carbonizados ao ponto de serem irreconhecíveis, outros caídos sem sinais evidentes do que pode ter causado suas mortes. Alguns ainda estão completamente deformados, devido ao gás tóxico que invadiu o local na noite anterior.

Passam-se alguns minutos até que eu consiga me levantar novamente, e me dirijo até onde ficava minha casa. Parte do telhado desabou, a fachada, outrora de um azul vibrante, agora está carbonizada, e a porta da frente pende nas dobradiças. Entro com cuidado, sem saber se devo ou não continuar. A sala de entrada está como eu me lembrava, aparentemente nada saiu do lugar. Um dos muitos feitiços de proteção deve ter impedido que o fogo se espalhasse por aqui. Meu coração se enche com de esperança, talvez eles tenham conseguido escapar afinal. Grito seus nomes, agora correndo pelos cômodos, mas o silêncio continua reinando, até que chego ao quarto de minha irmã. Lá estão eles, abraçados, com os olhos fechados, mas suas expressões são de pavor. Parecem dormir, mas algo me faz perceber que não é o caso. Toda a esperança que tive momentos atrás se vai em um grito que sai do fundo da minha alma. Abraço seus corpos, chorando e gritando seus nomes, tentando fazer com que me escutem e retornem, voltem para casa e para mim.

Muito tempo se passa até que consigo a coragem necessária para me levantar. Dando as costas para eles vou até meu quarto, milagrosamente intocado, e começo a arrumar minhas coisas em uma mochila velha. Não há muito que desejo levar comigo, apenas algumas poucas roupas. Vou até o quarto de meus pais, e lá recolho a velha espada de meu pai e seu arco de caça - devo me precaver, pois a viagem que pretendo iniciar pode ser longa. Por fim, vou até a cozinha e guardo alguns suprimentos básicos. Ali, com todo o pavor da última noite ainda em meu corpo e a tristeza pela morte de meus pais e minha irmã, decido deixar tudo para trás e não retornar. Começo a juntar frascos de óleo e levar para a praça central, e busco outros em outras casas. Após conseguir uma boa quantidade, começo a derramar seu conteúdo sobre as casas e corpos do local. Quando me dou por satisfeito, vou até os limites da cidade e acendo uma tocha, que então jogo o mais longe possível em direção à vila.

As chamas se espalham rapidamente, consumindo o lugar que até poucas horas atrás foi meu lar. Observo tudo queimar, as cenas da noite passada retornando à minha mente...

A lua brilhava sobre o vilarejo, lançando sua luz prateada sobre as casas. Tudo estava quieto e silencioso, a maior parte das pessoas já haviam ido dormir ou estavam trancadas em suas casas com suas famílias, se divertindo e conversando pacificamente. Em silêncio, para não alertar meus pais, saltei pela janela do meu quarto e corri para a floresta. Lá sempre foi meu refúgio, e à noite o silêncio e a escuridão sempre me trouxeram paz. O dia não foi agradável: entrei em várias discussões com minha mãe sobre o modo de viver a minha vida, e meu pai, como sempre, se manteve ao lado dela. Eu simplesmente precisava de paz e tranquilidade.

Então vieram os gritos. Mesmo nas profundezas da mata pude ouvi-los claramente. Corri, desesperado para saber o que acontecia e tentar ajudar, e a vários metros consegui avistar a luz provocada pelas chamas. Parei à beira da floresta, tentando assimilar a cena. Uma névoa esverdeada cobria o chão do vilarejo, pessoas corriam desesperadas e caíam, acometidas por um mal invisível. Algumas se contorciam no chão, como se estivessem com uma dor insuportável.

Então eu o vi, deitado sobre o telhado de uma das casas. Suas escamas de um verde venenoso brilhavam sob a luz do luar, e suas grandes asas balançavam junto a seu enorme corpo, enquanto um som parecido com uma risada sinistra ressoava pelo ambiente. Como se sentindo meu olhar sobre ele, o dragão virou sua face em minha direção, e senti seu olhar poderoso sobre mim. E então me virei e corri, como nunca antes havia feito em minha vida.

Por fim me viro e ando de volta para a floresta, determinado a buscar minha vingança, e sabendo que nunca mais retornarei a esse local. Vou embora, e não olho para trás.

Contos de SerysOnde histórias criam vida. Descubra agora