Anwar

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Caminho sobre as areias do deserto, debaixo do sol escaldante, me afastando cada vez mais do local que um dia foi o meu lar. O calor está se tornando a cada minuto mais insuportável, até mesmo para alguém como eu, que nasceu e cresceu nesse local aparentemente inóspito e mortal para os que pouco o conhecem. Parte dessa sensação se deve à quantidade de panos que cobre meu corpo, mas sei bem que são a única coisa que me impede de ser localizado em instantes. Há pequenos animais por aqui, mesmo que não consiga enxergá-los sempre, e tenho certeza que são espiões daquela que me caça.

Não carrego bagagem, deixei todos os meus pertences e minha antiga vida para trás. Conheço os caminhos do deserto, e sei onde encontrar comida e bebida antes de chegar ao próximo local habitado. Lá precisarei mudar novamente, transformar meus hábitos e minha aparência, ou ela me encontrará. Suas habilidades de caça são lendárias entre meu povo, e uma vez que tenha definido um alvo, não descansará até encontrá-lo. Só tenho uma chance de sobreviver: preciso me esconder e fugir, sair do deserto antes que ela me encontre. Uma vez fora de seus domínios, será mais difícil para ela achar o meu rastro, mas não impossível, e já compreendi que não poderei parar pelo resto de minha vida, ou serei pego.

O dia em que fui marcado está gravado em minha mente. Uma semana já se passou desde que fugi, mas me lembro claramente dos gritos de terror dos meus companheiros. Estávamos em volta da fogueira, comendo e conversando em nosso pequeno acampamento. Dormiríamos ali, e em poucas horas após o amanhecer estaríamos de volta à cidade. Ríamos, contando histórias do passado e relembrando os acontecimentos da nossa mais recente expedição. Nenhum de nós percebeu que algo nos espreitava sob a areia, preparando-se para fazer do pequeno grupo o seu jantar.

Então o primeiro buraco se abriu, e Ishak, nosso comandante e amigo, foi tragado pelo deserto. No fundo do buraco, vi de relance um lampejo de um marrom metálico, antes da areia voltar a cobrir a abertura.

O pânico se instaurou. Começamos a correr, sem pensar, deixando tudo para trás, em direção à cidade. Pensávamos que estaríamos seguros quando chegássemos a seus muros fortificados. Fomos tolos.

Naquela noite, perdemos mais dois companheiros. Não caíram de forma rápida, sempre havia um intervalo entre um e outro, fazendo-nos pensar que estávamos seguros. Antes do amanhecer chegamos à cidade, e o pânico foi se esvaindo aos poucos, deixando apenas o luto e o pesar, além das lembranças daquelas horas de terror.

Nosso grupo se separou nas ruas estreitas e movimentadas, cada um indo para sua casa, após relatarmos os acontecimentos para nossos superiores. Nenhum de nós estava mais preocupado com aquela ameaça invisível, pois Avva sempre foi considerada uma fortaleza impenetrável.

Seis dias se passaram após a tragédia em nosso acampamento e nenhum de nós pensava que poderia acontecer algo de ruim conosco por causa dos eventos daquela noite. Mas no dia seguinte, tudo mudou.

A notícia corria pela cidade como pólvora naquela manhã. Três buracos enormes foram encontrados em pontos diferentes da cidade, dentro de casas trancadas. Os buracos eram perfeitamente redondos, e não havia nenhum túnel ou algo parecido saindo deles. Para a maioria, aquilo era um incidente preocupante para a cidade, pois poderia indicar sua ruptura e danos a todas as construções. Mas para nós, daquela pequena equipe, era motivo de terror. Os buracos surgiram exatamente nas casa de nossos amigos, e eles não estavam em lugar algum. Por dois dias procuramos por toda parte, porém no fim aceitamos que haviam sido levados por aquela criatura.

No dia seguinte ao fim da procura, meus três companheiros restantes decidiram partir, tentando escapar da criatura desconhecida. Eles me convidaram para acompanhá-los, mas algo me disse para ficar onde estava. Acredito que tomei a decisão correta, pois oito dias depois recebi a notícia que estavam desaparecidos. Nada foi mencionado sobre buracos no chão, mas a maioria pensa que os fatos não possuíam relação alguma entre si.

Nesse mesmo dia, decidi que precisava partir. Não peguei nada, apenas algumas roupas e especiarias que ajudariam a disfarçar minha aparência e meu cheiro. Não avisei da minha partida, quanto menos soubessem sobre meus caminhos ou meu destino, mais chances eu teria de sobreviver.

Agora ando no meio do deserto, indo de cidade a cidade, buscando uma segurança que não tenho certeza de que poderei alcançar.

Contos de SerysOnde histórias criam vida. Descubra agora