Eu perdi tudo. Minha família. Meus amigos. Minha casa. Meu amor.
Estou parada no túnel escuro e empoeirado, olhando na direção em que um dia estava minha cidade. Agora uma grande montanha de pedras bloqueia o caminho. Tudo aquilo que um dia conheci se foi, esmagado ou arrastado pela terra. Vivemos há décadas no subterrâneo e nunca algo dessa magnitude ocorreu sem aviso, era impossível prever... Exceto para mim.
Os sonhos acontecem há algumas semanas. No início pareciam comuns, mas com o tempo percebi que ficavam sempre se repetindo em minha mente enquanto dormia. Nunca o mesmo sonho duas noites seguidas, e sempre seguindo uma ordem específica, em um ciclo de sete dias. O deslizamento sempre vinha no quarto dia.
Ao perceber o padrão, tentei alertar a todos, mas não fui escutada. Alguns pensavam que eu estava louca e outros, que eu buscava por atenção. Estavam enganados, mas nenhum deles sobreviveu para saber isso.
Nas primeiras horas do dia de hoje, vieram o barulho e os tremores. As pessoas continuaram suas vidas normalmente - não seria a primeira vez que enfrentariam um terremoto. Mas eu vi os sinais. Tudo começou como em meus sonhos.
Então corri, tentando levar todos que apareciam no caminho comigo, mas ninguém veio. E por isso estou sozinha agora, me sentindo impotente e fracassada. Se ao menos eu conseguisse ter feito alguém me escutar, eles estariam vivos agora.
Sem perceber, sabendo que o que vi em meus sonhos é real, começo a repassa-los em minha cabeça, percebendo agora as suas importâncias.
No primeiro, há um jovem, apesar de que é difícil saber sua idade exata pois claramente é um dos longevos Fäe, o Povo das Fadas. Suas asas dobradas em suas costas e as orelhas pontudas não passam despercebidas. Ele está ajoelhado e chorando, uma cidade em ruínas à sua frente. Chamas ainda ardem aqui e ali, e corpos se espalham por todo o local, em diferentes estados, cada um mais chocante que o anterior.
Dia seguinte, novo sonho. Um outro jovem, dessa vez um Selvagem, com seus caninos levemente pontudos e roupas rasgadas e manchadas, mostrando sua vida simples na selva. Um grande tigre está a seu lado na caverna, mas claramente não irá durar muito tempo. Um filhote brinca ao redor, ignorante quanto à seriedade da situação.
Terceiro dia, ou como gosto de chamar, o Dia Sangrento. Uma mulher de cabelos longos e olhos azuis profundos anda por um campo de batalha recente. Corpos se espalham pelo local, vários faltando membros que podem ser encontrados não muito distantes. O sangue cobre o corpo da mulher, escorrendo pelos seus braços e cabelos, mas ela não parece se preocupar com isso na atual situação.
O quarto dia é o pior, pois é o único que conheço o local e as pessoas presentes. Estou no centro da cidade quando o teto começa a desabar, e o pânico se instaura. Pessoas correm, mulheres gritam e crianças choram por seus pais. A cidade que até ontem era meu lar está sendo esmagada por toneladas de terra e pedras. Conheço os caminhos como a palma de minhas mãos, e acabo de atravessar a fronteira quando o caminho atrás de mim se fecha.
No quinto dia é difícil identificar a pessoa que vejo. Claramente é um homem, mas está tão envolto em panos e tecidos que é difícil identificar seus traços. Não entendo como ele consegue, pois estamos no meio do deserto, e o calor turva minha visão. É um dos poucos sonhos que não mostram uma tragédia, mas algo naquele homem me faz pensar que ela já ocorreu há algum tempo.
Ao sexto dia, o clima não poderia ser mais diferente que aquele no sonho do dia anterior. Gelo e neve se espalham em todas as direções, e uma jovem Vixen caminha sozinha pela planície congelada. Ela carrega uma grande trouxa nas costas, que parece pesada pois anda curvada e com dificuldade. O frio não parece um incômodo, já que veste roupas leves e é possível distinguir claramente sua cauda e focinho brancos como a neve ao redor. Não fossem as roupas e a trouxa, possivelmente passaria despercebida nesse ambiente.
Por fim, ao sétimo dia, o sonho mais curto de todos. Uma grande árvore, maior do que jamais imaginei que pudesse existir, no centro de um grande lago. E um homem, de cabelos e olhos verdes, caindo do céu em suas raízes. Vejo também os outros seis, eu inclusive, chegando ao local por caminhos diferentes.
Com a lembrança do último sonho, tenho uma súbita revelação, mas não compreendo exatamente de onde veio. Os primeiros, até o dia de hoje, já aconteceram. São visões do passado, não há nada que possa fazer para impedi-los de ocorrer. Aqueles que sempre vejo no quinto e sexto dia mostram o presente, aquelas pessoas estão indo a algum lugar. É difícil determinar onde, apesar que acho que sei, pois a paisagem de ambos os desertos, de areia e gelo, são tão imutáveis que não percebi a passagem do tempo com os dias. E então há o sétimo sonho, o homem caindo do céu e as pessoas reunidas. Sei que isso ainda não ocorreu, e tomo meu curso de ação.
Encontrarei aquela árvore, acharei essas pessoas e finalmente irei compreender o que está acontecendo comigo.
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Contos de Serys
FantasyContos de Serys é uma série de pequenos contos introduzindo os sete principais personagens do continente de Serys, um ambiente povoado por seres de diversas raças. Os habitantes de Serys passaram os últimos séculos aterrorizados pela crueldade dos d...