O sol está alto no céu e seus raios iluminam a floresta ao meu redor quando chego na caverna. Sua sombra aconchegante me dá as boas-vindas, me aliviando do calor infernal que faz neste dia de verão. A água que carrego em um cantil à minha cintura me pareceu convidativa durante todo o trajeto desde o riacho, especialmente com o peso da carcaça que carrego às minhas costas, porém sei que elas precisarão disso mais do que eu.
Conforme caminho cada vez mais para dentro da escuridão o cheiro da carne vai se tornando mais proeminente, quase sufocante, e o suor continua pingando do meu rosto e corpo. Logo ouço um rosnado grave, vindo de não muito longe. Com poucas palavras em tom calmo anuncio minha chegada, e o rosnado se torna um ronronar alto. Então, lá os vejo, em uma pequena gruta com uma abertura no teto, deixando poucos raios de luz solar cortarem a escuridão.
Um grande felino listrado de laranja e amarelo, com presas quase tão grandes quanto meu antebraço está deitado de lado, e quase não se move, porém me olha de forma cautelosa e ainda levemente desconfiada, apesar dos últimos dias. Uma versão menor, seu filhote, me olha por entre as patas da mãe com curiosidade, e então vem correndo até mim, esfregando seu tronco em minhas pernas.
Pouso a carcaça do animal no chão e faço um leve carinho na cabeça do filhote, observando o estado de sua mãe. A ferida em seu dorso me parece pior que antes, a infecção se espalhou e está com uma aparência horrível e doentia. Ambos sabemos que ela não terá muito tempo, e sua única escolha é confiar o resto de seu tempo e seu filhote a mim. Quando os encontrei, ela mal me deixava aproximar de ambos, o que agravou sua situação, mas agora já consigo me aproximar o suficiente para dar a ela algum conforto em seus últimos momentos, em parte por causa de sua fraqueza, e não em sua confiança cega. Sei perfeitamente que, em outra situação, eu seria a presa, e não uma espécie de salvador.
Me aproximo e derramo água em sua boca, com cuidado para não me aproximar demais das presa terríveis, e começo a cortar pedaços da carne com minha faca de caça. Dou pedaços maiores diretamente na boca da mãe, enquanto seu filhote cuida de pedaços menores que vou deixando no chão. Também derramo parte da água em um pote que havia deixado ali, para que beba o quanto precisar. Estou sobrevivendo a partir de frutas desde que os encontrei - decidi que seria melhor não acender uma fogueira com eles por perto, para não assustá-los.
Após algumas horas, com a carne já acabada e enquanto brinco com o pequeno filhote, percebo que a tigresa começa a ofegar e respirar de forma pesada. Fico então a seu lado, com a mão sobre sua cabeça e acariciando seu filhote, em uma promessa silenciosa de que farei com que tudo fique bem com ela. Quando as encontrei, aquela pequena criatura era a única sobrevivente dentre seus irmãos, e não podia simplesmente deixá-la sozinha. Então, com esforço, levei mãe e filha para aquele lugar, recebendo várias feridas no processo, agora cicatrizadas devido aos conhecimentos que adquiri ao longo dos anos. Ainda me culpo pelo estado da mãe, sabendo que poderia ter feito mais por ela, mesmo que para isso fosse arriscar a minha vida ao me aproximar da ferida.
As horas passam e sua respiração vai ficando cada vez mais fraca e entrecortada, até que, quando os raios de luar já estão atravessando o buraco e iluminando nossos corpos com sua luz, a grande tigresa dá seu último suspiro, e seu corpo fica inerte a meu lado. O filhote não parece compreender totalmente o que está acontecendo, dormindo pacificamente ao lado de sua mãe. Pego então seu corpo delicadamente e, sem acordá-la, partimos para longe, deixando para trás aquele ser que um dia foi tão majestoso e temido.
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Contos de Serys
FantasyContos de Serys é uma série de pequenos contos introduzindo os sete principais personagens do continente de Serys, um ambiente povoado por seres de diversas raças. Os habitantes de Serys passaram os últimos séculos aterrorizados pela crueldade dos d...