Capítulo Três - Aiyra

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- Já vai lobinha? – Miguel pergunta quando estou prestes a sair.

- Odeio que me chamem assim – falo sem sequer olhá-lo.

- Mais combina com você, e com esses olhos – Milena diz entrando na conversa, conversa na qual já deu para mim.

- Até quarta – encerro o assunto e saio logo em seguida rumo a parada de ônibus.

Lobinha, esse apelido ridículo é graças a cor incomum de meus olhos. Não é uma cor de olhos tão diferente quanto outras que tem por aí, mas com certeza é um pouco exótica e rara, pelo menos no caso de seres humanos. Tenho os olhos na cor âmbar, ou seja, tenho um par de olhos castanhos-avermelhados, não sei explicar muito bem mais sei dizer que isso se deve a alta concentração de pigmentação que compõem a íris. É uma cor bastante comum, mas em gatos, cachorros e lobos, daí o apelido de "lobinha".

Esse apelido me causa um sentimento de nostalgia que vem junto com uma saudade infinita e uma tristeza, porque meu pai costumava me chamar assim e ele dizia que eu era única e que meus olhos faziam de mim uma pessoa especial, e por mais incrível que pareça ele costumava me contar uma história muito interessante quando eu era pequena, ele dizia que o espirito de uma loba guardiã habitava em mim quando criança e depois que ela saiu do meu corpo ela me deixou sua força e a cor de seus olhos.

Quando criança eu amava ouvir essa história, Iara também era fascinada mesmo não tendo os olhos da mesma cor que os meus, mas depois que papai morreu perdeu todo o sentido de continuar ouvindo, contando ou acreditando nessa história.

Meus olhos costuma ser o motivo pelo qual chamo muita atenção. Antes eu gostava mais da cor deles, é incomum e eu gostava de ser diferente, também não me importava com os murmurinhos que as pessoas falavam e me importava muito menos o fato de não ter muitos amigos por conta de ser "diferente", claro que não era apenas meus olhos que incomodava, o fato de eu ser muito introvertida não me ajudava a fazer muitas amizades.

No entanto depois de um tempo meus olhos passaram a me incomodar, perguntas pairavam na minha cabeça constantemente.

"E se eu não tivesse esses olhos, seria diferente?"

Provavelmente não, porém, eu precisava culpar alguém ou algo.

Dizem que sua mente é seu pior pesadelo, e quem disse isso tem toda razão por que nossa mente cria todo tipo de coisas, e só vai depender de cada um de nós para que essas coisas sejam boas ou ruins. Controlar a mente não é uma tarefa fácil e se você está perdida na vida e completamente destruída por ela, vai ser uma tarefa bem mais difícil.

Nunca fui uma daquelas pessoas que gostasse de sair, beber, fazer todo tipo de loucuras ou até mesmo conversar, mas sempre fazia o essencial. Conversava o básico com os pouquíssimos amigos que tinha, de vez em quando saia para comer alguma coisa ou algo parecido. Mas sempre gostei mesmo de ficar em casa, passar noites assistindo filmes com minha mãe, madrugar lendo um bom livro, estudando e aos fins de semana aquele famoso almoço em família, e eu amava receber a visita de meus avós e principalmente os mimos que vovó sempre levava para mim.

No entanto as coisas nunca podem continuar as mesmas, meus avós se foram assim como papai, Iara veio para a capital e na época eu continuei a morar com minha mãe. Éramos apenas nós duas, e por Deus éramos muito felizes naquela época, as noites de filmes eram frequentes com direito a pipoca, refrigerante e muito chocolate. Impossível não se emocionar com essas lembranças, mas nem tudo pode ser maravilhoso para sempre, e aquele maldito dia aconteceu e minha vida passou a ser um verdadeiro inferno. As noites felizes de filmes passaram a se tornar noites assombrosas e cheias de lágrimas, as madrugadas de ler livros se tornarão a pior parte do meu dia, aquelas na qual eu vivia o pior dia de minha vida, aquelas em que minha mente viajava pelas piores possibilidades e maneiras de acabar com toda aquela dor. Apesar de não me considerar uma pessoa suicida eu gostava de pensar nas formas em que poderia acabar com a minha vida, gostava de correr certos perigos como ficar no parapeito de um antigo prédio abandonado que havia perto da casa de minha mãe, não pensava em pular, mas o fato de pensar por uma fração de segundo que isso talvez resolveria alguma coisa me dava a sensação de estar brincando com a morte.

Apenas Um OlharOnde histórias criam vida. Descubra agora