Apesar de não gostar de ser enganado, João não reclamou de estar oficialmente no grupo de teatro da escola, principalmente porque uma semana depois do teste houve uma reunião onde foi decidido o gênero da peça a ser apresentada no final do ano e a distribuição dos personagens.
A professora, senhora Helga, era muito bondosa, mas muito atenta aos alunos. Escolheu alguns pares de atores e acabou decidindo que Tainá e João formariam o par perfeito para o casal protagonista da peça. João ficou muito feliz com a escolha, pensou que talvez fosse essa a oportunidade para ele se aproximar da garota.
- Mal-agradecido! - Maria resmungou enquanto via no rosto do irmão só sorrisos durante a reunião.
- Todos são. - disse outro ser espectral. Era um garoto da mesma faixa etária que ela e que morreu com uma facada no peito. - Pelo menos está eficiente em cumprir sua missão.
- Não sei não - ela falou analisando melhor a cena. - Olhe!
De fato, parecia haver um inconveniente ali. Álvaro, um aluno que era então desconhecido por João, mas nem tanto por Maria, parecia não ter se agradado das escolhas doa papéis.
Álvaro conhecia Tainá há mais tempo, o que ao seu ver, lhe dava o direito de estar mais perto da garota e de fazer o papel principal ao lado dela.
Embora João não conhecesse Álvaro, este conhecia João. Na verdade, todos na escola conheciam João.
Maria pôde concluir com seu colega que Álvaro não seria um antagonista para João apenas na peça, e isso significava problema.
- Você não pode interferir na vida dos outros, Maria. - o amigo falou ao ver que a espectro maquinava algo.
- Não posso deixar que ele seja uma pedra no caminho.
- Então crie um atalho, mas não mova a pedra.
O amigo se foi, deixando Maria desnorteada com suas palavras. Como ela criaria um atalho para João e Tainá? Ela se viu de mãos atadas e percebeu que estar viva a ajudaria no processo, mas como estava morta, teria que dar seu jeito.
Quando a noite chegou, João desceu para jantar com os pais e encontrou Maria cabisbaixa no sofá.
- Está tudo bem? - ele perguntou preocupado e isso lembrou a ela como ele sempre fora protetor.
- Estou sentindo o peso da morte - ela respondeu desanimada.
- Veja pelo lado bom, agora você é um anjo. - João tentou animar a irmã, mas ela não estava para brincadeiras.
- Às vezes isso é um saco! Posso fazer tudo, mas ao mesmo tempo não posso fazer nada, você me entende?
- Vish, já vi que está desanimada mesmo. - Ele pareceu pensar um pouco, mas logo falou entusiasmado:
- Já sei! Me espera em meu quarto, subo em cinco minutos.- Mas você não tem que jantar com papai e mamãe?
- Janto com eles todos os dias. Hoje vou tirar a noite para a melhor irmã do mundo! - Ele piscou e saiu.
Ainda sem muita animação Maria sumiu do sofá e apareceu na cama de João, onde havia um urso rosa de pelúcia que um dia fora dela. Ela o pegou e o apertou, querendo sentir a sensação de tocar as coisas, mas nada vinha, então jogou o urso de volta na cama, desconsolada.
João, no entanto, entrou rapidamente na cozinha, pegou algumas coisas que ele julgou ser importantes e arrumou tudo em uma bandeja.
- Não vai jantar, filho? - a mãe perguntou ainda servindo a mesa.
- Prefiro estar no meu quarto, mamãe. Não leve a mal, mas eu prefiro ficar um pouco sozinho.
- Tudo bem, filho, durma bem.
João não esperou por mais tempo, pegou a bandeja e subiu. Antes de entrar em seu quarto, passou no antigo quarto da irmã, até então intocado e pegou uma caixa. Levou tudo para seus aposentos e trancou a porta.
Ao ouvir a música que vinha da caixinha preferida, Maria se emocionou, sentiu sua alma ser preenchida. A visão de um bolo de chocolate, refrigerante de uva, brigadeiros, salada de frutas e outros doces disponíveis também contribuíram para que ela ficasse feliz.
Maria nem ao menos sabia que podia chorar, até sentir algo escorrendo por seu rosto. João, na mesma sintonia, passou o dedo pela face angelical da irmã e percebeu seus olhos azuis brilharem ainda mais com o toque.
Maria havia sentido aquele toque, e consequentemente a saudade aumentou. Maria podia tocar as coisas, mas não podia senti-las. Aparentemente quando suas emoções eram levadas ao extremo ela conseguia. Não é algo que possa ser explicado. E essa é a diferença de um anjo para um espírito.
Anjos se satisfazem com bons sentimentos, espíritos acumulam o que há de pior em si.
Quando a música da caixinha acabou, João pegou seu violão e começou a tocar. Tocou e cantou para a irmã até as 22 horas, quando Maria pediu para tocar também. João lhe deu o violão e a irmã tocou para ele, cantando com sua voz angelical.
Na sala, os pais não podiam ouvir a voz da filha, embora suas mentes associassem as canções a ela. O pai, então já preocupado com o filho, estava a ponto de subir para perguntar se estava tudo bem, mas desistiu quando tudo ficou silencioso na casa.
João havia dormido e Maria se encontrava em uma paz de espírito tão grande que teve uma ideia para ajudar João e Tainá a se entenderem.
Ela deixou o violão encostado na cama ao lado de João e saiu atrás dos ingredientes da sua nova fórmula de fazer o amor se propagar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
João e Maria
ContoApós perder sua companheira de aventuras, João muda da água para o vinho, ou melhor, da depressão para euforia total. Após ser morta em um arrastão, Maria recebe a missão de cuidar de alguém especial na terra, e é claro que ela não podia deixar de...