Prólogo

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Outono,
3 de Outubro de 1999.


Em uma noite escura, silenciosa. Os bordéis e bares se encontravam fechados, os moradores amedrontados. Cartazes nas ruas explicando sobre os boatos de que haviam bruxas à solta, fazendo feitiços e sequestrando crianças indefesas para sacrifícios diabólicos. Tolos, pensei.

O som irritante dos meus sapatos ecoavam na rua feita de pedras. Era por volta de três horas da manhã, uma neblina suave envolvia a autoestrada quase vazia e eu estava sozinho, bom, era o que eu achava até reconhecer o barulho de asas daquele inútil.

- Que coincidência lhe encontrar aqui, meu velho amigo. - O mau encarnado pousou à cerca de dez passos de distância atrás de mim, me fazendo parar.

- Lúcifer não suportou sua presença e te mandou aqui para me importunar? - Me virei encarando-o friamente.

- Na verdade, estou nessa cidade à trabalho. - Ele ignorou minha queixa e continuou: - Sabe como é, negócios.

- Tenho dó do pobre humano que caiu nessas suas garras imundas. - Gesticulei para ele com nojo.

- Pelo o visto, você nunca vai superar o passado. - Ele revirou os olhos. - Os tempos são outros. Não aprendeu com os humanos que devemos superar as coisas com o tempo? - A irônia tingiu sua voz. - Já faz muitos anos, meu amigo.

- A memória instável dos humanos não altera a minha. - Respondi ríspido. - Eu lembro de tudo.

- Eu tive meus motivos para impor aquela condição! - Ele me fuzilou com os olhos.

- Pegue seus motivos e volte para o fundo do inferno, onde é o seu lugar. - Contra-ataquei e me virei disposto à seguir o caminho no qual eu estava, antes dele aparecer.

- Não demorará mais tanto tempo, Deymos. - Ele insistiu e eu parei novamente. - Logo, você pertencerá à mim, e acredite, eu já estou trabalhando nisso. Dessa vez, não há nada e nem ninguém que vai me impedir.

- O que quer dizer com isso? - Minha curiosidade falou mais alto.

- Espere e verá.

- Quanto tempo? - Debochei, mas interiormente preocupado. Embora eu sempre tenha tido êxito em me esquivar das armadilhas dele, não posso negar que foram tarefas difíceis, e eu quase cedi em alguns momentos.

- Ontem foi o começo da sua perdição. - Ele riu sombriamente, e por uma questão de segundos, vi seus olhos alternarem entre preto e vermelho.

Ontem? Dia 02 de Outubro de 1999...

- Ontem eu estava em Las Vegas. - Ri com sarcasmo. - Qual o seu problema? Não achei nada que fosse preocupante por lá.

- Não se preocupe. - O anjo de Lúcifer abriu suas asas e seu corpo foi erguido por elas. - Você vai saber, e quando souber, será tarde.

Houve uma pressão no ar, no momento em que o decaído abriu suas asas vermelhas e vôou para cima. Cuidado para não se confundir e subir para onde você não é aceito. Ri comigo mesmo ao imaginar a cena.

Ignorando plenamente o que acabou de acontecer, virei-me novamente para a direção que eu estava indo e continuei minha caminhada.
Eu precisava passar por essa cidade e pegar o próximo trem para Londres, seria bem mais fácil usar minhas asas, mas não sou tão descuidado quanto aquele imbecil. Não posso correr o risco de algum humano me ver.

Longe da cidade, no meio de uma estrada deserta e nada movimentada. A escuridão ao redor quase palpável e o barulho dos animais escondidos no meio da mata faziam o local ser sombrio, e para os humanos, assustador.

Libertei-me de meu casaco e permiti minhas asas aparecerem. Penas negras surgiram das minhas costas e formou dois pares de asas que me ergueram no ar.

Calculei que até meu destino, de pé, eu levaria cerca de duas horas de viagem. Com asas angelicais? Bom, vamos ver em quanto tempo. Um quase sorriso surgiu nos meus lábios ao idealizar a velocidade em que eu estava prestes à me atirar. Eu adorava voar, era meu primeiro prazer terreno, e o segundo, era a velocidade. Os dois juntos, me deixavam em êxtase.
Minhas asas bateram e um barulho audível se fez ouvir. Fui impulsionado para cima. O vento cortante passava pelo meu corpo e se eu não fosse meramente um ser angelical, poderia até congelar de frio.

Cheguei na altura das nuvens. A escuridão estava embaixo, na floresta. E acima de mim, além da perpétua imensidão do espaço negro, haviam pontinhos brilhantes cujos quais eu vi serem criados, era uma das belezas da qual nunca me cansei de admirar. Estrelas.

Respirei fundo sentindo o ar gelado preencher meus pulmões e me preparei para seguir meu destino. As asas bateram novamente e eu senti meu corpo ser empurrado para frente, à toda velocidade. Isso é ótimo, a sensação de uma quase liberdade.

Minha altura é limitada, o máximo que consegui ir foi até o começo da mesosfera, mas em certa altura, há uma espécie de barreira invisível que me impede de passar. Ridículos. Como se eu fosse sentir falta de qualquer um deles.

Esses pensamentos pairam pela minha cabeça, quando avisto luzes de uma pequena cidade próxima. Tenho duas opções. Pouso e percorro a cidade à pé, ou subo ao meu limite para não correr o risco de ser visto. Penso no mais seguro, mas a velocidade parece cochichar no meu ouvido pedindo que eu a escolha, e imediatamente obedeço.

Passo pela a cidade em segundos. Meu ego infla ao imaginar o quão rápido eu posso ser. Eu sou mesmo um ser absurdamente sensacional.

Minha parte realista sussurra no meu subconsciente: você não é o único.
Reviro os olhos.

E devolvo o sarcasmo à minha parte lógica: Mas nenhum deles tem o poder que eu tenho.

E saio vitorioso de mais uma discussão insignificante.

Mal sabia eu, que na tarde do dia anterior, um ser, diferente dos outros humanos, quase um anjo, iria crescer e em um futuro próximo nós nos encontraremos.

Minha doce Angel, minha doce perdição.

Continua

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Continua...

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