4. Doze

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Spencer

"Eu a percebo pelo sorriso. É como se houvesse algo sobrenatural que nos vinculasse, mesmo que não fizesse qualquer sentido. Eu, rude e experiente, marcado pela vida e pela guerra: na alma e na cicatriz que trago no rosto. Ela, delicada e pura, inocente para mais coisas do que posso contar. Foi uma ideia ruim, Lancaster. Se era para casar por aparências deveria ter escolhido uma mulher vivida. Uma que soubesse o que está fazendo e no que está se metendo. E não uma que, por engano, achou que não tinha escolha. Mas aí estava. Votos ditos e alianças nos dedos, era minha mulher. Ou deveria ser minha, mas nunca era. E nunca seria. Era parte do nosso acordo: apenas aparências. Eu dei minha palavra de homem e de cavalheiro que não a buscaria em sua cama ou esperaria herdeiros. E, por mais que agora soassem nefastas e dignas de tortura, eu não quebraria minhas palavras ou macularia minha honra. Alice era tudo que eu queria. Alice era tudo que eu não podia ter."

Fecho o livro.

Eu já terminei de ler esse livro e não sei por que me deu vontade de começar a ler de novo.

Acho que gostei tanto que nada que eu tento ler depois parece bom o suficiente.

Verifico as horas.

Teria sido melhor se eu tivesse que trabalhar hoje. Mas depois de duas horas na academia, meus afazeres acabaram. Hoje eu tinha nada para fazer... Ficar deitado no sofá, encarando o relógio e esperando a hora de ir pra casa da Tatiana ser vigorosamente ignorado por uma mulher deliciosa não fazia bem pra minha ansiedade. O único problema de ir trabalhar, esses dias, era a Vanessa que estava ficando mais gostosa na mesma medida que eu ficava mais abstinente. Quase aceitei seu convite antes de ontem. Quase a convidei ontem. O que caralho ia acontecer se eu a visse hoje?

Verifico as horas de novo e nada no meu relógio se moveu além do ponteiro dos segundos.

Alice era tudo que eu queria.

Alice era tudo que eu não podia ter.

Eu não queria Vanessa.

Eu queria sexo.

Minha questão era descobrir se eu queria sexo mesmo que fosse com a Vanessa. Provavelmente não.

Eu poderia ir agora mesmo em um bar e arranjar uma mulher pra comer no banheiro, apertada contra as cabines. Provavelmente sim.

"Eu a percebo pelo sorriso", o conde de Lancaster tinha dito.

O sorriso de Tati que me deixou preso de um jeito curioso.

Minha abstinência de duas semanas.

A abstinência dela de seis anos.

O espaço que eu tenho na sua vida é bem claro: ela só precisa de mim para manter o tal Marcus bem longe. Não existe exatamente uma razão para eu achar isso uma ideia ruim: ter a companhia de uma mulher linda e interessante por alguns dias em troca de um aluguel pago, um book, alguns contatos e...

Cinquenta mil dólares.

Isso era dinheiro pra me manter o ano inteiro. Provavelmente mais.

Passei os últimos cinco anos economizando e, depois de minha mudança para Nova York, tudo que tinha me restado era pouco mais de dois mil.

Um mês por cinquenta mil não era nada mal.

E eu não precisaria mentir ou ser usado ou transar...

O pensamento escorrega doce entre tantos outros, faz pesar minhas pálpebras e consciência. Estou de olhos fechados com o livro caído sobre meu peito.

Ponto Com (Degustacão)Onde histórias criam vida. Descubra agora