Prólogo

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Tatiana

Há alguns anos, eu li um estudo sobre as diferenças entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Sua conclusão era que, enquanto mulheres são promovidas por experiência (recebem uma nova oportunidade apenas depois de provarem que são capazes), homens são promovidos pelo potencial (recebem uma nova oportunidade porque seus superiores acreditam que eles são capazes).

Promover uma mulher precisa ser um investimento certo.

Promover um homem pode ser um risco aceitável.

É absurdo. Quero dizer... A física canadense Donna Strickland só foi promovida na universidade em que trabalhava depois de ganhar um maldito prêmio Nobel.

Acho que é por isso que eu decidi abrir minha própria empresa.

Muito cedo eu percebi que precisaria trabalhar o dobro para receber metade do reconhecimento. Lição que eu aprendi depressa, considerando que sou filha de um pai conservador e uma mãe submissa.

Meus pais não apoiaram minha decisão de cursar a faculdade de engenharia. Não apoiaram minha decisão de recusar a proposta de noivado e encerrar o namoro de três anos para aceitar um emprego de desenvolvedora em uma empresa bem reconhecida no mercado. Também não apoiaram minha decisão de pedir demissão para tentar minha própria sorte com um novo software de minha criação.

Eu aprendi a funcionar sem apoio.

Meus pais morreram antes que eu pudesse provar que estavam errados.

Em 1984, 37% das pessoas formadas em ciências da computação eram mulheres.

Em 2018, apenas 17%.

É verdade: tem muito mais gente no mercado hoje do que na década de 80, mas a proporção de mulheres caiu.

E daquelas de nós que sobrevivem a formação, metade não sobrevive ao mercado.

Sexismo, assédio, diferença salarial, recusa em promoções e, o que eu considero o pior: o trabalho que efetivamente nos é confiado e creditado.

No meu primeiro ano na empresa, meus colegas eram incentivados em tarefas que quase pareciam além de suas capacidades. Era desafiador, inovador. O aprendizado era imensurável.

E eu...

Eu fazia o trabalho básico que qualquer aluno de terceiro ano do meu curso conseguiria concluir sem dificuldade.

Não havia desafio.

Não havia ambição.

Acho que é por isso que me interessei por Daniel.

Porque ele me ofereceu uma bebida, naquele bar, anos atrás, depois de um dia particularmente infernal... e foi reconfortante conversar com um cara que tinha opiniões radicais como, sei lá, achar que uma mulher deveria receber o mesmo que um homem por realizar exatamente o mesmo trabalho.

Um ano depois, Daniel colocou uma aliança no meu dedo, e ela ficou ali por mais de dez anos.

Ficou ali quando meu novo software recebeu sua primeira rodada de investimentos internacionais.

Ficou ali quando Daniel foi convidado para tocar com a Filarmônica Tcheca.

Ficou ali quando meu aplicativo novo foi vendido por algumas centenas de milhões.

Ficou ali quando Daniel lotou o Royal Concert Hall em Nottingham.

Ficou ali quando decidimos que seria melhor sair do Brasil e comprar uma casa em Nova York.

Ponto Com (Degustacão)Onde histórias criam vida. Descubra agora