– Lucy?
Ricardo apareceu na porta do quarto e encontrou sua filha sentada no chão, cercada por lápis de cor, concentrada em um desenho.Assim que percebeu a presença do pai, Lucy abriu um sorriso radiante, levantou-se rapidamente e correu até ele, estendendo a folha com entusiasmo.
Ricardo pegou o papel e observou atentamente. O desenho mostrava os dois juntos, de mãos dadas.
– Uau! Que legal! – disse, sorrindo.
Lucy abriu um sorriso ainda maior, balançando a cabeça de felicidade.
– Realmente ficou incrível! – continuou Ricardo.
Ele se ajoelhou ao lado da filha e bagunçou de leve seus cabelos.
– Filha, organize seus lápis. Vamos dar um passeio. Quando chegarmos, você pode fazer outro desenho, o que acha?
Lucy assentiu animada e rapidamente começou a guardar suas coisas.
Passeio
Durante o trajeto, Lucy olhava pela janela com um brilho curioso nos olhos, observando atentamente a paisagem passando.
– Animada para amanhã, filhota? – perguntou Ricardo.
Lucy virou-se para ele e assentiu com entusiasmo, exibindo um grande sorriso.
– Você está crescendo tão rápido… Já são quase seis anos!
Ele sorriu para si mesmo, refletindo sobre como o tempo passava depressa. Ao avistar um pequeno mercado à frente, sinalizou para estacionar.
– Vamos fazer uma parada rápida aqui.
Ele saiu do carro, e Lucy o seguiu, animada.
Na loja
O sino da porta tocou quando entraram. Ricardo passou a mão no bolso e tirou a lista do que precisava.
– Se quiser algo para comer, me avise, ok?
Lucy concordou e começou a explorar os corredores com um sorriso no rosto. Ela logo avistou seu pacote favorito de biscoitos e caminhou até a prateleira. Porém, assim que virou o corredor, seu sorriso desapareceu.
Lá estava ele.
O garoto que a atormentava na escola.
Assim que a viu, ele sorriu de canto, cruzando os braços.
– Você!? Aqui não é uma loja de microfone, sabia, mudinha?
Lucy sentiu um aperto no peito. Seus passos vacilaram para trás. Ela queria correr, voltar para o pai, mas suas pernas pareciam presas no chão.
– Lucy?
A voz de Ricardo ecoou próximo dali. Ele percebeu a tensão da filha e rapidamente seguiu seu olhar. Sem hesitar, aproximou-se dela e pousou a mão em seu ombro de forma protetora.
– Não precisa se preocupar, eu já sei o que você quer.
Ele pegou o pacote de biscoitos para ela. O garoto, percebendo a presença de Ricardo, recuou ligeiramente, como se pressentisse que era melhor não insistir.
– Vamos, filho…
A voz de um homem interrompeu a cena.
Ricardo virou-se e seu olhar endureceu ao reconhecer quem era.
O pai do garoto.
O mesmo homem da escola.
O silêncio que se formou entre os dois era carregado de lembranças desagradáveis.
– Você de novo…? – murmurou Ricardo.
O homem o encarou com desprezo.
– Olha, eu não quero problema, tá? Só vim pegar iss—
– É bom mesmo! – o homem interrompeu, puxando o filho pelo braço. – Vamos embora!
Ricardo apenas observou enquanto os dois saíam da loja. Suspirando, ele voltou-se para Lucy, que ainda parecia abalada.
– Tá tudo bem, pequena. Vamos pagar isso e continuar nosso passeio, que tal?
Lucy hesitou por um instante, mas então assentiu devagar.
Parque
Finalmente, eles chegaram ao destino principal do passeio. O parque estava cheio de cores, risadas e aromas doces no ar. Ricardo segurou a mão da filha e caminhou com ela pela entrada.
– Vem, vamos brincar um pouco aqui. – Ele sorriu.
Mas Lucy não respondeu imediatamente. Sua expressão estava inquieta.
Ricardo percebeu e se abaixou para ficar no nível dela.
– O que foi?
Lucy olhou para ele, mas logo desviou o olhar para o curativo discreto que ele ainda tinha no nariz. E então, as lembranças voltaram.
Alguns meses atrás - Escola
Ricardo foi chamado à escola com urgência. Tudo o que lhe disseram foi que Lucy havia sido alvo de algo grave.
Quando chegou à direção, encontrou a filha chorando silenciosamente em uma cadeira. O peito dele se apertou.
– O que aconteceu com ela?! – exigiu saber.
A diretora levantou as mãos num gesto de calma.
– Senhor Ricardo, peço que tenhamos calma para resolvermos isso de forma civilizada. O que foi passado para mim é que, durante as aulas, um colega de classe exagerou nas brincadeiras e acabou por ofender a jovem Lucy.
Ricardo se abaixou diante da filha, enxugando suas lágrimas com cuidado.
– Calma, tá bem? Quem falou com você na sala era seu amigo?
Lucy negou com um gesto de cabeça.
– Foi o que pensei… Um colega não deveria ofender o outro assim! Onde está esse garoto?!
– Ele já está vindo. O responsável dele também está a caminho.
Pouco depois, o garoto entrou na sala. Ricardo não perdeu tempo.
– O que você disse pra ela?
O menino hesitou, desviando o olhar.
– Eu… eu não disse nada demais…
Ricardo estreitou os olhos, mas antes que pudesse continuar, a porta se abriu novamente.
– O que tá acontecendo aqui?!
A voz estrondosa do pai do garoto preencheu a sala.
– O senhor é o pai desse garoto? – Ricardo perguntou, contendo sua raiva.
– Sim! Por quê?!
– Acho que deveria ensiná-lo melhor a respeitar as pessoas.
O homem cerrou os punhos.
– Tá querendo dizer que eu não sei educar meu filho!?
– Não! – Ricardo manteve o tom firme. – Só tô pedindo que tenha mais atenção com as ações dele. Se ele não tem respeito pelos colegas na escola, então não vai ter respeito com nin—
O soco veio antes que Ricardo pudesse terminar.
O impacto o fez recuar um passo. Antes que pudesse reagir, mais golpes vieram. Ele tentou se defender, mas o outro homem era maior e mais forte.
A sala foi tomada pelo caos.
Lucy tentou intervir, puxando a camisa do agressor com desespero, mas ele a ignorou. A diretora e um funcionário finalmente se meteram no meio, separando os dois à força.
– CHEGA! – a diretora gritou.
O homem respirava pesado, enquanto Ricardo, com um corte no supercílio e sangue no lábio, se levantava devagar. Lucy correu para ele, abraçando-o com força.
O pai do garoto apenas resmungou algo e puxou o filho para fora da sala.
E assim, Ricardo ficou ali, com Lucy agarrada a ele, tentando encontrar palavras para acalmá-la.
Dias atuais - parque
Ricardo percebeu o olhar distante da filha e pousou a mão em sua cabeça.
– Ei… tá tudo bem agora. – Ele sorriu. – Que tal a gente brincar um pouco?
Lucy piscou algumas vezes e, após um momento de hesitação, assentiu devagar.
O pai sorriu.
– Então vamos! Hoje é um dia de alegria, combinado?
Enquanto olhava nos olhos de Lucy, Ricardo percebeu um brilho de tristeza. Ela tentava disfarçar, mas o peso das lembranças ainda estava ali.Sem hesitar, ele pousou a mão sobre a cabeça dela e sorriu.
– Já passou, filha. Não precisa se preocupar. Não foi sua culpa. Também não quero que você guarde nenhum sentimento ruim sobre aquele homem, tá bem?
Lucy piscou algumas vezes, absorvendo as palavras do pai. Ricardo então se sentou no chão e ergueu os olhos para o céu.
– Ao invés disso, faça como as nuvens... siga em frente.
A menina seguiu o olhar do pai. O céu estava pintado com tons suaves do fim da tarde, e as nuvens pareciam flutuar livremente. Pouco a pouco, seu semblante voltou a se iluminar, como se as palavras de Ricardo tivessem dissipado o peso em seu peito.
Ela então olhou para o pai, abriu um grande sorriso e se lançou para abraçá-lo, enchendo seu rosto de beijos.
Ricardo riu e retribuiu o abraço.
– Também te amo, minha filha.
Após um instante, ele se levantou e retirou algo do bolso.
– Ah, quase esqueci… Toma, seu presente de pré-aniversário.
Lucy olhou curiosa enquanto ele estendia um pequeno bracelete colorido.Ao reconhecer o desenho, seus olhos brilharam, e lágrimas discretas escorreram por seu rosto de alegria.
– É daquele desenho que você adora! Unicórni Colors, acertei?
Ela assentiu rapidamente, pegando o bracelete com cuidado e colocando-o no pulso direito. Depois, levantou os olhos para Ricardo, como se quisesse memorizar aquele momento para sempre.
Ele sorriu.
– Bom, não vamos perder tempo parados. Vamos nos divertir!
Lucy segurou sua mão com firmeza, e os dois seguiram em frente.
O tempo passou entre risadas e brincadeiras. O dia foi chegando ao fim, e eles terminaram o passeio sentados em um banco do parque, tomando sorvete.
Lucy, enquanto saboreava o doce, notou que Ricardo estava novamente olhando para o céu. Curiosa, imitou o gesto, mas não entendeu muito bem o que ele via ali.
Ele percebeu seu olhar e riu.
– Certo! Tá na hora, vamos?
Ela assentiu, e os dois partiram de volta para casa.
Em casa
A noite já havia caído quando chegaram.
Lucy, cansada do dia agitado, dormia profundamente em sua cama. Na porta do quarto, Ricardo a observava por um momento, um sorriso leve no rosto. Em silêncio, apagou a luz e fechou a porta com cuidado.
No entanto, ao chegar ao próprio quarto, o sono não veio tão fácil para ele.
Deitado na cama, Ricardo olhava para o teto, inquieto. Então, como se tivesse tomado uma decisão, levantou-se e caminhou até um canto do quarto, onde um pano discreto cobria algo no teto.
Ao puxá-lo, revelou uma pequena brecha.
Lá fora, o som da chuva começava a cair suavemente.
Ricardo puxou uma cordinha, e uma escada dobrável desceu com um rangido suave. Ele subiu, desaparecendo no sótão, um lugar desconhecido para Lucy.
O ambiente empoeirado estava cheio de caixas antigas. Ele caminhou até uma delas e abriu-a com cuidado.
No topo dos objetos guardados, havia um pedaço de pano dobrado, com o nome Lucy bordado nele. Ricardo segurou o tecido por um instante, seus olhos perdidos em lembranças.
Após alguns segundos, suspirou e o guardou de volta.
Foi então que encontrou uma foto.
Na imagem, três pessoas sorriam: Ricardo, uma mulher e uma criança pequena.
Seus olhos se fixaram na criança da foto.
– Nina…
Seu sussurro se perdeu no silêncio do sótão.
O toque repentino do celular quebrou o momento.
Ricardo piscou, voltando à realidade. Guardou a foto, desceu a escada e puxou o pano novamente, ocultando a brecha no teto.
Ele atendeu o celular enquanto a chuva lá fora se intensificava.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Lucy (2021)
Mystery / ThrillerLucy... Uma jovem criança com um simples objetivo: viver sua vida em paz e tranquilidade. Porém, após tantos acontecimentos, sua vida, que era parcialmente calma e pacífica, volta a se tornar uma bagunça - assim como foi em sua infância - logo após...