Capítulo 3

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"Tivemos que fazer as honras, sozinhas." disse Beatriz, cruzando as mãos sobre o peito, quando Ofélia e Mariana regressaram ao salão nobre muito descontraídas. "O rei chegou para a visita semanal e vocês não estavam cá".

"Tivemos que responder às suas perguntas mirabolantes", acrescentou Carolina, fulminando-as com os olhos.

Ofélia estremeceu e Mariana tapou a boca aberta com as mãos.

Toda a gente sabe como é o rei... num instante está bem disposto e no instante seguinte está a expulsar o cortesão mais competente do castelo por não lhe ter dito exatamente o que queria ouvir. O rei era... imprevisível, para dizer o mínimo.

"Como... como correu a visita?", perguntou Ofélia

"Perguntaram por nós?", perguntou Mariana, ao mesmo tempo.

"O duque Alberto e o duque Gonçalo ajudaram-nos. Eles já conheciam os convidados e foram a nossa salvação. Ninguém deu pela vossa falta".

Ofélia esparramou-se numa poltrona. A mera ideia de que poderia ser expulsa se dissesse qualquer coisa que soasse mal ao rei deixara-a muito cansada, e agora que estava a salvo e a adrenalina se tinha ido embora, ficara ainda mais cansada. Mal podia esperar por regressar à sua margarida. Ser aia era muito cansativo, mesmo quando não tinha muito trabalho.

Naquela noite, adormeceu a pensar em todas a poções que gostaria de ter criado se não estivesse tão cansada.

*

Segunda-feira chegou muito rápido. Como os dias começavam todos antes de o sol nascer e só acabavam depois do sol se pôr, a semana pareceu toda ela um só dia muito longo.

Ofélia olhou a lua cheia através da gota translúcida da sua casa demoradamente como se se despedisse de uma amiga e procurasse ouvir um "boa sorte". Mas tudo o que ouviu foi um "já estás atrasada!", vindo lá de baixo. A sua mãe gritava-lhe da cozinha.

Ofélia soltou uma exclamação e terminou com as despedidas. A lua já ia muito alta no céu. Céus! Que horas eram? Apressou-se a ajeitar o seu vestido verde sardão e ajustou o decote que deixava o seu colarinho muito exposto. Depois mordeu o lábio e olhou para a poção do Transporte rápido na estante poeirenta. Só desta vez. Bebeu-a. Em menos de um piscar de olhos o calor do salão de baile do castelo de Colmentina envolveu-lhe os braços nus com um conforto inesperado. Na sua gota estava um frio de enregelar, mas dentro do castelo era outro mundo.

O cheiro dos licores caros e dos perfumes requintados das damas que dançavam fizeram Ofélia tonta. O seu coração batia nos seus ouvidos abafando a música da arpa enfeitiçada. Trovejava como um tambor anunciando a desgraça.

Havia soldados por todo o lado, Ofélia reconheceu-os pelo fato real de cetim azul, debruado a ouro. Era o baile de recessão aos soldados do reino. Mas todos as noites havia alguma coisa para celebrar com um baile.

Ofélia apressou-se por entre cortesãos, bandejas e tilintares de cálices de crital e dirigiu-se à cimeira do salão. Atrás de uma mesa de madeira comprida repleta da mais requintada bebida e comida, com uma vista privilegiada sobre o baile, sentavam-se, em sumptuosas poltronas, a família real e os restantes nobres destacados para o baile daquela noite.

Ofélia cumprimentou com três vénias muito profundas o príncipe Golin, a princesa Eileen e o rei (este último estava demasiado distraído para reparar no seu cumprimento) e procurou o seu lugar na mesa real. Havia vários lugares vagos, com certeza de nobres ocupados a receber os convidados e a fazer as honras da noite. Num dos lugares, Ofélia distinguiu a aia do primeiro ano que a acompanharia naquela noite. Teriam de se desenvencilhar praticamente sozinhas porque apenas duas ais do primeiro ano frequentavam os bailes de cada vez.

Danças e Poções - CONCLUÍDAOnde histórias criam vida. Descubra agora