O cara mais descolado do bairro: zoeira, festa e ajuntamento é com ele mesmo, é o cara apropriado e sempre disponível pra função, é com ele mesmo que a coisa acontece.
João participa e faz questão de estar em todos os principais eventos do Bairro Castanhal, nem batizado o homem falta, tanto é que no mínimo uns duzentos afilhados ele deve ter.
Casamento é com ele mesmo, dos outros é claro, num estalo de dedos arranja a companhia, faz as vezes de padrinho e não chega em casa antes das cinco da matina, isto quando tem condições de achar o rumo, raramente não acorda num lugar que não é seu, é cada história.
Rei da sinuca e craque de bola, conhece todos os botecos e campinhos das redondezas. Joga cartas, dama, xadrez, ping-pong, pebolim, jogo de botão e até banco imobiliário. As vezes gosta de passar na Lan House do Marcus, ou jogar bingo no clube da terceira idade, onde é bem quisto, apesar de não pertencer a faixa etária em questão.
Transita diversas vezes pela biblioteca pública. Lá o seu alvo não são os livros ou a cultura, embora não despreze esse assunto, mas Laurinha, a garota mais bonita do Bairro, conversa vai e conversa vem, fica tudo acertado para aquele encontro que nunca aconteceu.
Está sempre com o povo e o povo sempre com ele. Já tentaram persuadi-lo sobre a vida e a carreira política, não houve jeito, ninguém conseguiu convencê-lo e suas aventuras continuam Bairro afora, entre bares e avenidas, nos lugares onde ele se sente feliz.
24 de Junho, é o dia em que João nasceu, explica-se o nome: dia de São João. Nasceu nos arredores do Beco da Timbaúva, em casa, aos cuidados de d. Ceci, a parteira do bairro com longo de histórico de atendimentos, mais de cinco mil em quarenta anos de serviço, cálculos da própria e resignada senhora, agora aposentada.
João mora com a mãe, d. Alzira, num Sobradinho verde e amarelo, na Av. Emílio Oliveira. Herdou do falecido pai, Sr. Gumercindo, os dotes e a carpintaria, um negócio não muito rentável nos dias de hoje, mas que segundo o próprio João, serve pra levar a vida.
Não é casado, explica-se: - "ainda não encontrei aquele olhar e sorriso que me fascinam". A verdade é que João não gosta de compromisso sério, de algo que lhe renda seguir determinadas regras e horários, gosta mesmo é da boa vida e das andanças pelo bairro, um dia num canto, outro dia no outro, e assim por diante; livre, leve e solto.
João é carismático, simpático e solidário, ajuda quem quer que seja, tem um simplório e bom coração, empresta dinheiro, faz serviço de graça, faz fiado, aceita cheque pra 90 dias, basta chegar com algum tipo de choramingo ou problema, não há ressalvas, assim, mais da metade da vila deve algum favor ou trocado pra ele.
Só que de uns tempos pra cá, ninguém mais viu o sujeito. Numa SEXTA-FEIRA, João simplesmente sumiu; o cara evaporou e não apareceu mais, nenhuma pista, nenhum rastro, sabe-se lá o que aconteceu com o homem.
Tornou-se João Sexta-feira, numa referência ao dia do sumiço.
Foi mais ou menos assim:
João estava num empolgante jogo de sinuca no Bar da Creusa, num disputado e acirrado torneio contra a Vila Sombreiro, tradicionalmente disputado na última sexta-feira de cada mês. No final, a vitória foi do Castanhal, e como sempre com grande e decisiva participação de João. Foram jogadas milimétricas com certo grau de dificuldade, uma partida muito parelha, mas devido às suas conhecidas habilidades acabaram se tornando o fator decisivo para superarem os adversários.
Após a intensa disputa, tudo era festa, um baile animado, com música ao vivo; tocavam "Os Camotinhos", banda de pop rock local e que faz muito sucesso no bairro e arredores.
Numa pausa, João avisou que ia ao banheiro, falou aos mais próximos, uma turminha que ainda comentava sobre o jogo de sinuca, sobre a vitória épica, da qual João, foi mais uma vez o grande destaque. Foi aí que tudo aconteceu, desde então ninguém mais viu o João. A festa continuou, terminou e ele não retornou mais, todos estranharam, porém num primeiro momento acharam que se tratava de algum assunto de urgência, algo que ele não pode avisar naquele instante. No entanto, ninguém mais viu o sujeito em canto algum. Procuraram o dito cujo em todos os lugares possíveis, por fim desistiram e se resignaram aos contos e prosas que surgiram desde então, falácias e arremedos que tentam explicar o que teria acontecido com o bom homem.
Desde então todos se referem a João como "João Sexta-feira", um personagem que na boca do povo pode ser entre outras coisas até mesmo um fantasma ou um ET. Em sua homenagem, já pensaram até em colocar uma estátua na entrada do Parque Central, lugar de grande visitação e encontro da maioria dos moradores, uma óbvia ideia dos marqueteiros de plantão.
O acontecido, obviamente, foi parar na polícia, e por lá dizem estar tudo sob controle. O caso está sob a responsabilidade do delegado Cardozo, um policial que tem a carreira solidificada e baseada num longo histórico de casos aparentemente impossíveis que foram solucionados sob a sua tutela.
Pra quem lhe questiona sobre o caso, a resposta é esta:
- Gente, infelizmente muitas pessoas desaparecem todos os dias. Os motivos são diversos, complicados e muitas vezes são coisas absurdas que dominam esse tipo de cenário. Tenham cautela com os comentários, pois as complicações, como eu já disse, são muitas, um dia ou outro iremos elucidar esse caso.
Há quem duvide, há quem acredite, e nisto João segue desaparecido e na boca do povo desafiando as conversas de todo canto e recanto do Castanhal, é o eco das conversas de bares, ônibus, vizinhanças, becos e ruelas, é o alarido das prosas que compõem as vozes de todo o vilarejo.
E por fim, nas redes sociais a última postagem de João coopera com o apelido que lhe foi atribuído: SEXTOU!
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JOÃO SEXTA-FEIRA E OUTRAS HISTÓRIAS: CONTOS E CASOS DO BAIRRO CASTANHAL
Short StoryÉ a história de um cara que leva a vida por conto e prosa. É a história de um bairro com inúmeros personagens, pessoas como eu e você, que fazem a vida se revelar tal como ela é, do seu jeito e do seu gosto. É a história de um mistério, que pode ou...