03. a chama

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O céu era laranja. Vante abriu os olhos, deitado na cama desconfortável e dura da hospedagem na pequena vila. "O sofá dele era melhor", pensou. Pensou no rosto de Jeongguk e em seu cheiro. Como franzia o nariz ao sorrir, na curiosidade que carregava em seu olhar e suspirou.

Enquanto isso, sonhando com Bali, Jeongguk dormia profundamente. O sono demorou a tomar-lhe o corpo depois do que fizera na noite anterior sem pensar muito. O fotógrafo, levantando-se e se ajeitando para ir até a ponte Roseman, sentia um amargor abstrato na boca ao pensar que não veria mais o homem tão peculiar que lhe fez companhia. Não queria que ele fosse só mais um detalhe em uma de suas histórias, mas duvidava que fosse se tornar isso ainda que tenham passado poucos momentos juntos.

Já vestido, desceu até a entrada do local e cumprimentou os funcionários que dispunham a mesa do café da manhã. Não era nada parecido com um hotel respeitável ou uma pousada, afinal, a pequena cidade não devia ter mais que 20 mil habitantes. A mesa oferecia pão, café, algumas frutas e um bolo de chocolate - que para ele já eram mais do que suficientes. Tomou seu café, amargo e forte, e comeu um pedaço de pão com manteiga. A comida não satisfaria outras vontades que rondavam sua mente, mas, por enquanto, era o que teria.

Agradeceu pelo café e saiu do prédio, dando de cara com mais um dia ensolarado e quente. Não havia nenhuma nuvem no céu. Seria meio incômodo passar o dia todo perambulando pela região enquanto fotografava pontes debaixo do sol quente, mas não tinha muito para onde correr, ainda mais agora que já não veria Jeongguk novamente. Suspirando, entrou na caminhonete velha de seu avô, fazendo o trajeto do dia anterior. Seguiu caminho para a ponte que lhe fez trilhar todo aquele trajeto, pensando nas possíveis fotos que poderia tirar hoje. Guiado pelo destino, sem saber, ia até a ponte Roseman.

(...)

O sol já não batia direto em sua janela. Jeongguk abriu os olhos, sonolento e aéreo, tentando se habituar ao ambiente não tão rotineiro assim e logo as lembranças do dia anterior bofetearam-lhe o rosto, acordando-o. Sentiu seu estômago embrulhar com o nervosismo e arregalou os olhos, ainda deitado, encarando o teto, pensando no que fizera. Olhou o relógio. 9h30. Vante já devia estar trabalhando.

Pensou em seu rosto. No formato perfeito e simétrico com que seus lábios, olhos e nariz eram dispostos na face bela e morena. No triângulo que a pinta no nariz, boca e linha d'água formavam. No entusiasmo que ele contava suas histórias e na paixão que exalava de si ao falar sobre seu trabalho. Na forma que ele tinha uma resposta para tudo na ponta da língua e como sua visão sobre o mundo era singular, tão diferente da de Jeongguk. No jeito que ele era livre e despreocupado. Ele era diferente de tudo que estava acostumado.

Lembrou-se de suas últimas palavras. "Você está longe de ser um engravatado sem graça". Ele não fazia ideia de como aquela frase tinha despertado algo em Jeongguk que o próprio pensou que não existisse mais: a curiosidade sobre alguém. Em meio aos lençóis, ainda encarando o teto, Jeongguk suspirou, sorrindo. Não sabia, ainda, mas a loucura do dia anterior seria a melhor decisão impulsiva que o irônico destino já lhe fizera tomar.

Levantou-se e foi tomar banho. Deixou a água quente escorrer por seu corpo e até cogitou a ideia de encher a banheira, mas desistiu. Secou-se devagar, sentindo a textura da toalha lhe massagear o corpo enquanto sentia algo estranho em seu âmago sobre a sensação da pele ser acariciada, ainda que por ele mesmo. No caminho para a cozinha, lembrou da manhã anterior e da sensação de chegar ao recinto com o cheiro de café já no ar. Agora não tinha café. Nem Vante.

Suspirou em saudosismo ao lembrar do dia que passou. A ponte era muito mais agradável e bela do que ele pensava, já que nunca tinha, de fato, reparado nela e os momentos com o fotógrafo foram mais intensos e memoráveis do que sequer sonhou que poderiam ser. Vante era cativante, atraente e interessante de uma forma diferente do que Jeongguk estava acostumado: ele atiçava sua curiosidade. O jantar, a cerveja, o vinho... tudo nele fazia Jeongguk querer ouvi-lo falar mais. Queria saber de todas as suas histórias. Talvez por permanecer tanto confinado em um escritório, se preocupando com papelada e reuniões, ouvir alguém tão diferente de si falar sobre sua vida, viagens e experiências fosse tão eufórico. Num súbito, sentiu falta da presença do outro ali, desejando vê-lo novamente.

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