Eu sempre soube que havia uma linha. E eu não podia ultrapassar essa linha.
Eu estudaria, faria faculdade de gastronomia abriria meu restaurante e me casaria com algum cara da minha igreja.
Não me iludia achando que poderia viver um romance louco com um badboy que fuma. Talvez minha mãe se certificasse de escolher meu marido.
E talvez, durante toda a celebração do casamento eu me imaginasse correndo e fugindo do altar. E eu imaginava minhas amigas me esperando eu um carro e dai partiríamos para a Califórnia. A doce e calorosa Califórnia.
Mas seria só minha imaginação.
Eu não teria coragem de decepcionar minha mãe. Então eu casaria com o cara rico da igreja, teria filhos e provavelmente não poderia trabalhar e ficaria em casa cuidando das crianças e vendo as fotos de Giulia e Sophia em festas aleatórias com mexicanos.
Minha mãe falava diariamente que elas eram duas perdidas. Mas eu não concordava. Ela apenas aproveitavam a vida. Eu costumava dizer que já vivi mil vida por causa dos livros. Mas nada se compara a Giulia e Sophia.
Elas já viajaram, beijaram pessoas aleatórias, dançaram na chuva, tiveram experiências de quase morte. Elas eram vívidas. Tinham histórias pra contar, mas e quanto a mim?
Eu me contentaria a cuidar da casa e das crianças? Ficaria me culpando por sentir inveja das minhas amigas?
Sim.
Sim. Porque eu sei, eu sei que passariam anos. Eu seria velha e rabugenta, e anos se passaram... E eu estaria triste e solitária, vazia.
Porque eu não desapontaria minha mãe.
Eu não cometo loucuras.
Não jogo meu coturno nas pessoas, não beijo garotas, não fujo de casa durante a noite e não fumo ou bebo. Talvez elas morressem antes de mim, mas elas seriam mais bem vividas que eu. Teriam vidas memoráveis, e no inferno, poderiam se gabar da vida memorável e inebriante que tiveram. Poderiam se gabar de ter estado no céu sem nem ao menos terem feito algo bom para serem aceitas lá.
Mas ai eu estrago tudo!
Eu participei de uma cena de crime. Duas pessoas morreram. Duas vidas foram roubadas.
Como eu ia dormir? Como ia deitar na minha cama e saber que vi duas pessoas morrerem e não contei nada. Como ia passar em frente à casa deles e ver os pais loucos procurando pelos filhos?
Mas eu não ia entregar minhas amigas. Não posso.
Minha mãe estava na igreja. Escapei de ir pois menti dizendo que estava com dor de cabeça. Mas agora, vejo que foi um erro ter ficado sozinha. Eu precisava de alguém que atasse as minhas mãos.
Meu corpo todo tremia.
Eu tremia e eu não sei o que fazer.
Como minhas amigas conseguem ficar bem? Como elas conseguem não se importar com a opinião dos outros, como conseguem se priorizar? Como não conseguem perceber que eu estou exausta?
Eu só quero ser boa o suficiente! Eu só quero orgulhar minha mãe e uma vez na vida, apenas uma vez, escutar ela dizer que me ama e que sente orgulho de mim.
Corri pela casa em busca do meu celular. Talvez as meninas estejam querendo falar comigo.
0 mensagens.
Respiro fundo. Eu fui embora mesmo, elas têm direito de ficarem chateadas.
Sem perceber, meu primeiro soluço escapa. Só então percebo meu rosto molhado.
Me lembro de ver em algum lugar para respirara fundo e contar até dez. Eu preciso me acalmar.
Um...
Dois...
Três...
Quatro... Quatro...
Eu preciso de alguém que me parasse.
Faltava menos de quinze minutos para minha mãe voltar da igreja e é impossível eu me acalmar até lá. Ela começaria a gritar dizendo que sou ingrata por chorar sendo que tenho tudo do bom e do melhor.
Busco as chaves do meu carro e vou até lá.
Eu precisava ir para qualquer canto. Eu só precisava respirar um pouco.
Era fim de tarde, a rua estava vazia, então eu podia dirigir sem me preocupar. Não preciso me preocupar por estar dirigindo 170 km/h
Eu segurava o volante com força, os nós dos meus dedos estavam esbranquiçados. Continuei dirigindo, e a velocidade do carro só aumentava.
Eu tentava repetir mentalmente. Eu não estou sozinha. Eu não estou sozinha. Eu não estou...
Mas eu não tinha a quem recorrer! Minha mãe me odiava e adorava esfregar em minha cara que eu estraguei sua vida, minhas amigas deviam estar bravas. O garoto que eu amava gostava de outra.
Eu não tinha ninguém! Eu era inútil, substituível. Talvez as meninas encontrassem outro alguém para pôr em meu lugar.
Eu sei que não é isso que eu deveria sentir
Entendo que nem tudo é sobre mim.
Mas ver as pessoas tão felizes, me faz querer mais pessoas ao meu lado, mais pessoas me amando. Porque me faz sentir meio sem valor
Porque qualquer um pode viver sem mim. Minha mãe pode ignorar minha existência.
e tudo bem
Acho que eu sempre fui assim mesmo
Substituível.... inútil.
Eu sei que não é isso que eu deveria sentir, afinal, não posso obrigar ninguém a ficar. Eu acabo sempre perdendo alguém pro tempo... ou pra morte.
Todos sempre foram livres para ir. E todos se foram...
Sempre que eu não fosse mais tão interessante ou não tivesse mais importância.
Então eu jurei, de dedinho, jurei e repeti para mim mesma, até acreditei que o cigarro que meu irmão usou para me queimar foi como um "selador" eu não me apegaria em mais ninguém.
Mas é impossível.
Todos sempre chegam, parecem gostar e parecem querer ficar. Mas não! Ninguém nunca tem a intenção de ficar. Nunca.
Eu sei que é isso que vai acontecer.
Porque eu sou um fantoche e sou fraca demais para lutar com minha mãe.
Então anos vão se passar, eu estarei triste e solitária. Sozinha.
E as pessoas que já amei, felizes.
E o que seria a morte? Algo ruim mesmo? Algo cujo eu deveria ter medo ou rezar todo dia antes de dormir para acordar viva no dia seguinte?
Porque eu assisti a morte de alguém. E esse não é o maior dos meus medos ou preocupações.
Porque a morte nunca me pareceu tão convidativa. Talvez fosse apenas um descanso e não exista céu ou inferno, de qualquer forma.
Eu só queria deitar e dormir.
Não acordar mais.
•••
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O que meninas fazem no banheiro?
Teen FictionOnde seis meninas matam sem querer (ou não) Lucas Hartt, o novato da escola, e Davi. E pior, o assassinato não é o pior de tudo. O quão difícil é resistir à loucura?