O Debate do Livre Arbítrio

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É inegável que a física quântica mudou o mundo da física e influenciou profundamente muitos outros - campos incluindo biologia, quimica e ciência por meio do levantamento de questões filosóficas interessantes.

O objetivo da ciência e da filosofia é, na verdade, bem similar - ambas tentam prover respostas a questões fundamentais. Porém, ambas adotaram caminhos muito diferentes para alcançar essas respostas. Enquanto a filosofia utiliza somente argumentação racional e pensamento crítico, a ciência se baseia em evidências observáveis e no rigor do método científico. Para demonstrar isto, usarei como exemplo uma das questões filosóficas mais antigas: Do que é feito o mundo? Filósofos têm tentado responder tal pergunta há séculos, mas sem grande sucesso. Muitos deles pensaram conhecer a resposta - Tales de Mileto, por exemplo, argumentava que tudo era feito de água. Estava errado assim como muitos outros de seu tempo. Isto porque a filosofia é naturalmente ruim neste tipo de pergunta.

Hoje sabemos a resposta graças à física moderna - Tudo ao nosso redor éfeito de quarks e elétrons. Mesmo essa podendo não ser a resposta final a teoria das cordas propõe partículas ainda menores - não há dúvida de que a ciência fez mais progresso em esclarecer a natureza do nosso universo em algumas décadas do que a filosofia em séculos. Ao estudar a natureza, o método científico é, de longe, nossa melhor ferramenta.

Isso não significa que a filosofia não é importante no mundo moderno. Pelo contrário. Enquanto ciência é melhor em dar respostas certas, ela não pode dar sentido a suas próprias descobertas. Toda descoberta científica levanta diversas questões que só podem ser respondidas pelo discurso filosófico, não por meio da condução de mais experimentos. Por exemplo, biólogos descobriram que você poderia, teoricamente, fazer uma cópia de si mesmo - ou milhares - por clonagem, mas cabe a nós decidir como nos sentimos em relação a isso.

Mas este capítulo não é sobre quarks, elétrons, ou a relação entre filosofia e ciência. Na verdade, eu gostaria de falar sobre uma questão filosófica específica que permanece em aberto até hoje - a questão do livre arbítrio. O livre arbítrio é geralmente definido como a capacidade de controlar conscientemente suas decisões. Imagine, por exemplo, que você tem um dia de folga e decide fazer uma viagem. Muitos diriam que essa decisão foi completamente voluntária - você poderia ter decidido ficar em casa.

Não há razão para achar que você estava, de alguma forma, predeterminado a tomar esta decisão. Nós acreditamos ter livre arbítrio porque naturalmente temos essa sensação. Mas será este o caso?

Inicialmente esta questão era puramente filosófica. Mas, assim como no caso da substância fundamental, ela eventualmente se expandiu ao domínio da ciência, a qual contribuiu para o debate do livre arbítrio pela primeira vez, com a chegada da fisica Newtoniana. Como você pode se lembrar de capítulos anteriores, a física clássica afirma que o universo é inerentemente determinístico. Em outras palavras, ela presume que podemos, em teoria, reunir toda a informação sobre o estado atual do universo e usá-la para prever o futuro com certeza absoluta.

Este "universo-relógio" foi crucial para o desenvolvimento do debate, na medida em que ele torna o livre arbítrio impossivel. Sua decisão de fazer uma viagem foi inevitavelmente causada pelo arranjo de moléculas em seu cérebro, o que foi predeterminado no início do universo, assim como tudo o que já aconteceu. Toda ação tem uma reação previsível e suas decisões são meras consequências de uma enorme cadeia de ações que remontam ao Big Bang. Qualquer decisão voluntária que não fosse baseada em algo anterior violaria as leis da física Newtoniana, uma vez que criaria uma nova cadeia de ações e reações. Tal universo seria desinteressante e completamente assustador. Qualquer um que possuísse informação o suficiente sobre o estado atual do cosmos poderia prever todas as decisões futuras com precisão perfeita. Todos os eventos no universo aconteceriam seguindo um roteiro precisamente determinado. (Alguns filósofos conhecidos como "compatibilistas" argumentam que determinismo e livre arbítrio são compatíveis. Esta crença vem do fato de que eles usam uma definição de livre arbitrio diferente da usual).

Por sorte, a mecânica quântica nos traz a alforria do universo-relógio. Como poderíamos prever a posição futura de uma partícula quando não podemos nem determinar sua posição atual precisamente? Em nosso universo, podemos apenas utilizar probabilidades para fazer afirmações sobre o futuro. O não-determinismo da mecânica quântica é comumente visto como algo negativo ao descolocar a simplicidade da fisica Newtoniana. Contudo, o futuro é um mistério apenas num universo probabilístico.

Alguns fisicos até chegaram ao ponto de usar o princípio da incerteza como evidência da existência do livre arbítrio. Porém, isso não passa de um sonho. Enquanto é verdade que a mecânica quântica poderia, possivelmente, permitir a existência do livre arbitrio - certamente mais do que a física Newtoniana - sabemos pouco demais para chagarmos a qualquer conclusão definitiva. Hoje, somos deixados com duas opções válidas:

A primeira opção é bastante direta - não obstante ao princípio da incerteza, nossos cérebros são puramente determinísticos. Alguém pode dizer que, no fim das contas, fenômenos quânticos se aplicam somente a objetos muitos menores do que os neurônios ou sinapses, então por que eles teriam algum efeito significativo em nossa forma de pensar? Enquanto isso pode ser verdade, não é, de fato, um argumento conclusivo. Efeitos quânticos são isso exclusivos do micromundo, mas não significa que eles não têm efeito no macromundo. No experimento mental de Schrödinger, por exemplo, o efeito do decaimento de um único núcleo - que é governado puramente por probabilidades - é expandido ao macromundo, de forma a determinar se o gato vive ou morre.

Isso nos leva a segunda opção, que é mais interessante que a primeira. Considere, por um instante, que a mecânica quântica de fato tem um
papel importante na tomada de decisões. O que isso significa para a noção de livre arbítrio? Você poderia atribuir uma probabilidade a todas as suas decisões futuras. Por exemplo, logo antes de você decidir fazer uma viagem, havia uma probabilidade de 60% de que você decidisse assim, e outra de 40% de que você decidisse ficar em casa. (Obviamente, essa é uma enorme simplificação. Cada decisão pode ter centenas de opções possiveis, cada uma com probabilidade variado constantemente). Isso tornaria suas decisões não determinísticas e, consequentemente, completamente imprevisiveis. Mas isso seria mesmo livre arbítrio? Essas decisões seriam mesmo "suas"? Afinal, a mecânica quântica é completamente aleatória, mas seria aleatoriedade sinônimo de liberdade?

Essas questões não têm respostas definitivas - ao menos por enquanto. Não sabemos se a mecânica quântica tem papel importante ou não em nossos cérebros, e se tem, ninguém sabe o que concluir disso. No momento, cabe a cada um de nós decidir no que acreditamos e se essa questão tem ou não importância. Todavia, uma coisa é certa - graças à mecânica quântica, o debate do livre arbítrio permanece aberto.

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