Capítulo 4 - A branca

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Uma foca e seu filhote descansavam sobre uma calota de gelo, no extremo norte do planeta, a foquinha mamava para ficar bem forte para sobreviver no frio cruel que os cercavam o ano inteiro, sua pelagem era branca tal qual todo seu ambiente, apenas o céu azul acima e o brilhante sol os acompanhavam. Nestes primeiros dias o filhote ainda era impossibilitado de nadar devido a sua pelagem, ficando sozinha por horas dependendo exclusivamente de sua camuflagem branca mimetizando com todo o gelo e neve a seu redor, algumas vezes o filhote acordava assustado com os sons que vinham por debaixo, estalos do gelo rachando a quilômetros dali, alguns cliques e claques de algum animal nadando por perto, seus instintos animais não a permitiam fazer nada além de ficar imóvel e fechar seus olhos pretos contra a neve.

A mãe volta já com a barriga cheia novamente, e ávido, o filhote sana sua fome enquanto sua mãe descansa, por algumas horas, mas ela sente com os pelos de seu bigode algo se aproximando pela superfície. A grande foca olha em volta procurando algum predador, mas não vê nada além da neve para todo lado, as vibrações haviam cessado, e permanece alerta próxima a entrada para o oceano logo abaixo. Momentos se passam enquanto a foca finalmente deixa de ficar em estado de alerta e volta a fechar seus olhos por alguns segundos até sentir fortes vibrações no gelo novamente. E logo um som de algo que parecia ter feito força.

Para garantir sua sobrevivência, a mãe se desvencilha do filhote e vai mergulhar no mar através da entrada circular cavada por ela mesmo, quando ela vê um imenso urso polar vindo de frente com ela, mas o buraco já estava perto e ela adentra o mar em segurança, e nada para longe deixando seu filhote a própria sorte, por debaixo do gelo ela viu as passadas do urso indo em direção a seu filhote, mas antes de ir embora para o abismo, sentiu outro conjunto de passos no gelo.

O urso já havia saltado em direção a foca que havia mergulhado, mas não a alcançou a tempo, apenas mergulhando seu rosto na água fria, um evento comum na caçada, mas com seu faro apurado, ele rapidamente encontra o rastro do filhote, e estava a poucos metros de distância dele que percebe ter sido visto, e tenta fugir enquanto chora por ajuda, mas antes de conseguir girar seu corpo o urso já estava pronto para abocanhá-lo.

Mas uma ponta de lança atravessa o corpo da foquinha, fincando no chão abaixo, o arpão estava preso a uma corda, que prontamente é puxada arrastando a pequena e agonizante criatura para longe do urso, momentaneamente confuso pelo que tinha visto, ele não sentia cheiro algum além do delicioso sangue vermelho vivo que pintava o gelo, e tão logo corre atrás de sua presa roubada por alguma criatura que ele jamais havia visto.

Um pouco longe dali uma mulher Inuit puxava a corda a todo vapor afim de afastar sua presa do urso, isso seria uma questão de vida ou morte, por diversas vezes o imenso urso quase abocanhou o filhote que morria afogado em seu próprio sangue, mas com puxões mais fortes a Inuit pôde afastar o filhote até ficar entre ele e o urso, que para de correr ao ver a mulher que vestia roupas feitas de pele de focas adultas, o urso facilmente tinha quase o dobro de sua altura de pé, e pesava muitas vezes mais, como predadores alfas desse ambiente, o urso tenta intimidar a mulher, pois imaginava ser mais poderoso que ela.

Mas ela grita para afastar o urso que não arreda o pé em momento algum, então ela desamarra a corda da parte traseira do arpão, firma seu pé no moribundo filhote e puxa o arpão que tinha farpas que evitavam que o que fora fisgado pudesse fugir, rasgando mais a carne do filhotinho que morre logo em seguida.

O urso avança contra ela que somente tira seu capuz de couro grosso, mostrando seu rosto, a mulher apenas fica pronta para defender sua caça, e respira fundo somente uma vez, o suficiente para o urso desistir da investida enquanto olhava para ela antes de ficar a distância de seu arpão, ela se faz compreender para a feroz montanha branca de músculos e fome, e com rápida efetividade pois logo ele abandona a presa por não querer arriscar sua vida contra aquela forma de vida tão estranha para ele.

Ao ver o urso ir embora, a velha Inuit de cabelos brancos e pele morena repleta de rugas da idade, respira aliviada enquanto comemora sua conquista. Ela olha para o filhotinho morto enquanto enrola a corda e diz:

– Você quase custou minha vida, mas vou fazer por merecer a sua, e tantos outros sacrificaram-se por mim pequenino. 

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