#5 | angst | magic universe |
915 palavras
• em que Remus pensa demais e desenvolve uma teoria.Tenho uma teoria.
E para isso, vamos iniciar com uma suposição. Estamos na primeira vez que eu te vi, no trem. Você abre a porta da cabine e entra, um amigo seu rindo de alguma piada atrás. Seus cabelos negros e extremamente lisos passam dos ombros, suas bochechas estão levemente coradas, provavelmente por estar correndo ou rindo. Seus olhos são acinzentados, uma expressão muito encontrada em livros e pouco na realidade; porém não consigo encontrar outra palavra para descrevê-los.
Quando eu olho para você, vejo muito além disso. É como se seu rosto e corpo de uma criança de onze anos ficassem repentinamente transparentes e eu pudesse ver através de você.
Vejo você aos doze, chorando encolhido em sua cama por alguma coisa idiota que sua mãe falou. Seus lábios estão inchados por ficar mordendo-os quando está nervoso, seus olhos avermelhados pelas lágrimas. Vejo você aos quinze, distribuindo seus "sorrisos de flerte" pelo corredor e amarrando o cabelo com um elástico preto. Sua mandíbula está mais marcada agora, seu corpo espichou e seus traços começaram a amadurecer. Vejo você aos dezesseis, a cabeça pendendo em meu colo, os olhos quase se fechando de sono por ter passado o dia estudando e os cantos dos lábios se curvando em um sorriso quando eu passo as pontas dos dedos por seu couro cabeludo.
Vejo você aos dezoito, os olhos momentaneamente escuros e tempestuosos, o medo escancarado em sua face porque ambos sabemos que algo está acontecendo. Vejo você aos dezenove, a respiração acelerada e a mente correndo em círculos, tentando encontrar algum pensamento que o distraía do fato incontestável de que estamos em perigo.
Vejo você aos vinte e um, sendo levado embora.
E então, vejo a tristeza profunda da traição, da mentira. Vejo a dor, sinto a dor, em cada uma das minhas veias, me paralisando por um instante e fazendo minhas pernas fraquejarem.
Minha mente é uma gravação tocando repetidamente e falando como pôde como pôde como pôde.
Como você pôde me enganar? Como pôde fingir por dez anos? Como pôde dizer que me amava, cuidar de mim quando estava fraco, beijar minhas cicatrizes e dizer que eu era a pessoa mais forte que você conheceu? Como pôde?
Mas você não pode responder essas minhas perguntas, ninguém pode. Por doze anos, não te vejo pessoalmente, mas não passo um único dia sem pensar em você. Vivo na casa que compramos juntos, dou comida para o gato que você quis adotar, durmo do lado direito da cama porque você gostava do lado da parede. Você ainda está aqui, mesmo tão longe. Vejo a mim, um monte bagunçado de dor, tristeza, ódio e confusão. Em alguns dias, tento pensar que tudo pode ser um mal-entendido, em outros, não consigo.
E então você volta, como a luz no fim do túnel, com suas histórias de como caiu em uma armadilha e como passou doze anos pagando por algo que não fez - e preferia morrer do que fazer. Você, aqui, comigo, e eu o puxo mais perto e sinto seu cheiro, seus cabelos secos pinicando meu rosto, seus braços segurando meu corpo como se precisasse de mim o mais perto possível depois de tanto tempo longe.
Vejo nosso final de conto de fadas. Compramos decorações novas para a casa, aprendemos as novas manias um do outro. Você olha para todas aquelas minhas novas cicatrizes como se fossem a coisa mais maravilhosa que já viu, e eu aprendo a lidar com seus novos traumas, aqueles que passar doze anos no inferno te deixaram. Você odeia o escuro, se sente um tanto relutante ao toque, tem pesadelos e insônia que tiram a paz das suas noites.
Vejo nós dois, juntos como sonhamos em estar desde os dezesseis anos. Vejo a forma com que meu coração bate como se eu ainda fosse um adolescente apaixonado quando te vejo acordar, bocejando e sorrindo lentamente, se enrolando preguiçosamente nas cobertas e em mim. Vejo alguns dos melhores anos de nossas vidas, nosso casamento, nossas viagens, nossas ideias mirabolantes. Seu instinto de proteção comigo, sua mania de passar as mãos pelo meu cabelo curto, os chás que você costumava preparar nas noites de lua cheia.
Vejo a noite em que te perco.
A sua expressão quando passa pelo véu. Tão rápido que não tenho tempo de processar, de falar algo, de me despedir. O último "eu te amo" que você me falou foi pelo olhar, quando percebeu que aquele era um caminho sem volta.
Você – minha âncora, minha alma gêmea, a pessoa que esteve comigo por todos aqueles anos – se foi, e nunca mais irá voltar, e eu não posso simplesmente comprar um buquê de rosas e pedir desculpas como costumava fazer quando brigávamos. Não posso te ligar, escrever um bilhete romântico para que me perdoe, preparar um jantar para amolecer seu coração.
Vejo o escuro de tudo aquilo que acontece depois que os contos de fada e histórias de amor acabam – tudo que vem depois do felizes para sempre.
Estou no trem, e quando te vejo pela primeira vez, vejo nosso futuro.
Minha teoria é a seguinte: acho que eu não faria o óbvio – desviar dos seus belos olhos e do seu sorriso hipnotizante e caminhar até o vagão mais longe possível. Acho que eu não evitaria suas conversas profundas sob a luz das estrelas e sua risada charmosa. Acho que eu não seguraria o coração na mão para evitar entregá-lo a você.
Acho que eu faria tudo exatamente igual.