Capítulo Sete

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Ethan

 
Deixo o clube no começo da madrugada, sentindo todo o corpo latejar em uma dor agonizante. Mas a dor que mais machuca e me faz desejar a morte é a que consome meu coração. Cada vez que momentos como esse acontecem, é como se uma parte da minha alma ficasse pelo caminho.
A dor física é momentânea, e, mesmo sabendo que ela voltará, eu apenas tento seguir em frente.
Mas hoje é diferente.
Ela estava lá. Eu a vi, ela usava um disfarce ridículo, certamente imaginando que eu não a reconheceria.
Ah, Eva, como eu poderia não a reconhecer?
Mas então ela fugiu, assustada com toda aquela sujeira. E eu apenas posso dar razão a ela por querer manter-se afastada, esquecer completamente tudo que viu. Porém conheço Evangeline e sei que ela não parará de pensar no que viu um minuto sequer.
É por isso que preciso ser corajoso. Enfrentar as consequências desta noite, mesmo que isso signifique me expor completamente.
Estaciono o carro em frente à casa dela. Já estive aqui antes com Savi, quando ele precisou falar com Evangeline. Mas é a primeira vez que estou aqui sozinho.
Dentro do carro, eu me questiono pela última vez sobre o que estou fazendo. Não posso saber como ela irá reagir, se compreenderá, ou se sentirá nojo de mim. Tendo a acreditar na última opção, e, assustadoramente, é a que mais faz sentido agora.
Deixo o carro e vou até a porta da casa, ignorando o fato de que é madrugada, e de que parece muito estranho um homem esgueirando-se por aí a essas horas. Mas continuo firme e bato à porta, esperando que Eva esteja acordada.
Não há resposta.
Repito o gesto, agora mais ansioso com a possibilidade de ela simplesmente estar me evitando.
A porta se abre apenas um pouco, e Evangeline aparece olhando de esguelha, mas, quando percebe que sou eu, tenta fechar a porta imediatamente.
Eu me coloco no vão, impedindo-a de fazer isso.
— Por favor, Eva.
— Saia, Ethan! — exclama tentando me empurrar para fora.
Eu sou mais forte, mas não quero assustá-la, então paro de empurrar.
— Apenas me ouça por alguns minutos, e eu irei embora — peço olhando para ela com desespero. — Por favor.
É neste momento que ela abre a porta, quase me derrubando no caminho. Eu me ajeito, equilibrando-me a sua frente.
— Eu não deveria deixá-lo entrar — resmunga, cruzando os braços.
Não posso deixar de olhá-la, fascinado ao encontrá-la vestida toda de cor-de-rosa, dos pés à cabeça. Um conjunto de malha cheio de ursinhos em miniatura, os cabelos presos com uma faixa também rosa.
Esta é realmente Evangeline?
— Por que está aqui, Ethan? — pergunta, ainda me encarando.
Recomponho-me, olhando agora para seu rosto. É a primeira vez que vejo Eva sem maquiagem alguma, e admito que ela é tão linda assim quanto quando está usando.
— Eu a vi. Sei que estava lá — solto, esperando pelo momento em que ela começará a negar.
— Sim, eu estava — confirma, olhando sem jeito para o outro lado.
Eu hesito.
Ela não gritará e nem me ameaçará?
— Quero explicar tudo que viu, Evangeline — digo, enfrentando agora seu olhar curioso.
— Você não precisa fazer isso, Ethan. Eu não tenho nada a ver com sua vida pessoal. Sei que foi errado segui-lo e ver tudo aquilo. Talvez não me perdoe, mas estou sendo sincera ao dizer que sinto muito — Eva diz calmamente, surpreendendo-me novamente.
Não era esse tipo de conversa que eu imaginava desenvolver com ela. Estava seriamente pronto para seus ataques e ofensas.
Em outro momento eu estaria agradecido pelo fato de ela não querer falar sobre isso, querer esquecer tudo e fingir que nada aconteceu.
Mas desta vez é diferente. Eu quero falar com ela.
Eu quero contar tudo.
Falando com mais clareza; preciso desesperadamente contar isso a alguém, e não importa o quanto soe humilhante aos meus próprios ouvidos.
— Eu nunca imaginei que alguém descobriria isso em algum momento — começo sentindo a voz falhar.
Eva suspira, levando as mãos ao rosto, e permanece alguns segundos pensativa.
— Tudo bem. Sente-se aqui. — Aponta para o sofá, jogando um urso vermelho no chão. — Ouvirei tudo isso, Ethan, mas, se eu não aguentar, apenas pedirei que saia.
— É justo — concordo, ajeitando-me entre as almofadas do sofá. Eva sentou-se do outro lado, e temos apenas uma almofada entre nós. — Não sou um dominador como imaginou no começo, Evangeline.
— Eu pensei nisso quando vi toda aquela cena, sua conduta não condizia com a de um dominador, então descartei essa opção — revela, ainda não olhando em meus olhos. — E quanto àquela mulher? O que ela é?
Não me agrada falar disso, mas prometi que contaria tudo a ela.
— Kirsty. Ela é a dona do clube que você invadiu. Na verdade, é sócia. — Recebo um olhar aborrecido antes de continuar. — Um clube de sexo e servidão. Lá você pode encontrar tudo que imaginar. Pode fazer sexo através de uma abertura na parede, sem revelar sua identidade a ninguém, e também pode ser torturado até que implore para parar — explico, sem contar todos os absurdos a ela.
A expressão de Evangeline não é diferente do que eu esperava.
Choque.
— Nem era para eu estar lá hoje. Kirsty ia ficar uma semana fora, mas algo deu errado, e ela me chamou, para descontar em mim a sua fúria.
— E por que alguém iria querer ir num lugar desses? É disso que você gosta, Ethan? — pergunta vacilando um pouco.
Não respondo de imediato, pensando no quanto deve parecer assustador para ela aquele mundo desconhecido.
— Eu não quero estar lá, Evangeline. Não sou um submisso. Não gosto de ser espancado.
Segurando a almofada com força entre os dedos, ela engole em seco, como se não estivesse suportando todas as revelações.
Mas eu apenas comecei a contar. Ainda não cheguei às partes ruins.
— Eu estou sendo chantageado, Eva. Por Kirsty — revelo e, no mesmo segundo, vêm a minha mente as ameaças daquela mulher, ela tocando meu corpo como se tivesse direito de fazer isso. Sinto-me enojado e tento não pensar nesses momentos dolorosos. — Por dinheiro. Se não faço o que ela deseja, ela revela à minha família o que eu sou e como consegui o dinheiro para investir no bar.
— Você... vendeu o corpo a ela em troca de dinheiro? — questiona assustada.
Apenas movo a cabeça, assentindo.
— Como teve coragem de fazer isso, Ethan? Aquela mulher tem o dobro da sua idade! — Eva fala, a voz aumentando de tom.
Suspiro derrotado.
— Sinto-me exatamente assim, como você está olhando para mim agora. Com assombro e nojo.
Evangeline fecha os olhos, não quer mais me olhar.
— Não tenho nojo de você, Ethan — surpreende-me ao dizer, pouco depois. — Minha raiva é direcionada àquela mulher e a tudo que ela fez a você. O que fará a respeito?
Era o ponto a que eu queria chegar.
— Estou tentando colocar Kirsty atrás das grades. Conheci outro escravo que vivia com ela, e ele revelou algumas coisas sobre a mulher e o clube.
— Que tipo de coisas? — Eva deve estar imaginando os piores tipos de crime neste exato momento.
— Tráfico de drogas — conto, lembrando-me do rapaz que, atrapalhando-se, revelou sem querer uma informação sobre isso.
Eva fica de pé, apontando o dedo na minha direção.
— Com que tipo de gente você está envolvido, Ethan? Isso é uma completa loucura. — Ela caminha de um lado para o outro, beliscando com os dentes o polegar. Costume estranho. — E Savi? Por que não contou a ele? Achei que eram mais próximos agora.
Quase reviro os olhos diante da ideia.
— Consegue imaginar qual seria a reação de Savi ao saber de tudo isso? Ele tentaria me matar e somente depois se sentaria para me ouvir — argumento pensando que provavelmente ele faria isso mesmo.
— E por que eu?
— Porque você foi corajosa o suficiente para invadir o clube e descobrir por conta própria. Estou aqui apenas para esclarecer os fatos.
Ela para de andar e me fita.
— Já disse que me arrependo de tê-lo seguido. — Franze a testa, aborrecida. — E tudo que me contou... Eu não sei o que dizer.
— Não há nada que precise ser dito, Evangeline. Sei o que está sentindo agora. Entendo que esteja com nojo de mim e que não consiga sequer me olhar, exatamente como está fazendo agora — acabo desabafando, sentindo um nó se formar na garganta e os olhos arderem.
Porra! Não posso acreditar que estou a ponto de chorar.
Eva se senta mais uma vez do meu lado, encolhida contra o sofá.
— Não estou com nojo de você, Ethan. Já disse isso — repete em um sussurro.
Meu olhar encontra o dela.
— Como não? Mesmo depois de tudo o que viu, de presenciar o momento em que aquela mulher marcava meu corpo como se eu fosse um animal qualquer? — Eu me levanto, indo em direção à porta. Estou cansado dessa merda toda. — Preciso ir embora.
— Não vá. Fique — ouço Evangeline dizer atrás de mim. Eu paraliso imediatamente. — Estou do seu lado, Ethan. Quero ajudá-lo.
Fecho os olhos, lutando contra o desejo de chorar que toma conta de mim. É a dor que eu disse me fazer desejar a morte. Desespero.
— Você não pode, Evangeline.
— Sim, eu posso — ela garante, e então eu sinto algo tocando minha mão. Olho para baixo e encontro os dedos dela, que se entrelaçam aos meus timidamente. — Permita que eu me aproxime de você, Ethan. Por favor.
Eu não posso. Mas quero.
Sem dizer nada, envolvo minha mão na dela, sentindo o coração descompassar com o toque morno contra minha pele.
Então ela se aproxima mais e encosta a cabeça em minhas costas. Posso ouvir sua respiração acelerada.
— Vou ficar ao seu lado, Ethan — murmura.
Diga não. Não aceite — minha mente grita para mim. Mas meu coração diz o contrário.
— Não posso dar a você o que deseja de mim, Eva. Não agora.
— Não estou pedindo isso, Ethan. Só ficarei ao seu lado e o ajudarei a destruir aquela mulher.
Eu me viro para ela, segurando-a pelo braço para que ela não caia.
— Isso é um pacto, Eva — falo, minha voz soando estranha aos meus próprios ouvidos. — Tem certeza de que ficará ao meu lado?
Ela ergue os olhos para mim, e há tanta determinação em seu rosto, que me assusta.
— Farei o que for preciso para colocar aquela mulher na cadeia — afirma, e eu tenho toda a certeza de que está sendo sincera.
O que acabei de fazer com Evangeline, esse pacto, a promessa, não tenho a mínima razão para acreditar que seja o correto. Mas agora não estou mais sozinho, não carrego solitariamente essa merda toda, e há uma pequena razão para acreditar.

Tentação (Livro 3) - Série The Underwood's.Onde histórias criam vida. Descubra agora