Capítulo Vinte

150 21 1
                                    

Ethan

 
Voltamos da delegacia em silêncio. A tensão de estarmos naquele lugar era quase palpável, e estranhei o tamanho desconforto de Evangeline. Mas logo minha atenção foi direcionada ao delegado.
Mostrei os dois vídeos que tenho contra Kirsty. Mostrei o estado em que fiquei depois da tortura e contei tudo o que sei sobre aquela mulher. Eu simplesmente contei tudo, mesmo sentindo uma vergonha absurda de revelar o que fazia quando estava com ela.
O delegado comentou que já a estavam investigando e foi sincero ao dizer que agora tudo fazia sentido sobre a morte do pobre Willian. Um homem jovem, que não merecia morrer tão cedo, muito menos da forma como foi assassinado.
Registrei um boletim de ocorrência, e agora Kirsty não pode se aproximar de mim; queira Deus que nem haja tempo para isso. O que mais quero é que a prendam de uma vez e que esse inferno acabe.
— Você não parece bem, querida — comento, enquanto voltamos para casa.
— Desculpe, é que eu não gosto de delegacias — diz, deixando-me ainda mais curioso.
— E por que não? Já te aconteceu algo e eu não sei? — insisto, e ela respira fundo.
— Há muitas coisas sobre mim que você ainda não sabe, Ethan.
Estaciono o carro em uma rua pouco movimentada e pego em suas mãos.
— Se quiser, pode me contar agora mesmo — digo tentando tranquilizá-la.
— É o meu antigo namorado, bem... digamos que ele não era muito bom comigo. — Sorri fracamente.
— O que está querendo dizer? Ele te batia? É isso? — pergunto, sentindo a raiva crescer dentro de mim.
— No começo ele era maravilhoso, mas então tudo começou a acontecer. Como era muito nova e achava que o amava, eu aceitava, pois sempre havia a promessa de que seria a última vez.
Sinto o coração doer. Como um homem é capaz de fazer isso? Ainda mais em se tratando de uma mulher tão doce como Evangeline.
— Eu sinto muito — digo e passo a mão em seu rosto.
— Então eu me cansei e, toda vez que ele me batia, prestava queixa contra ele. Até que um dia conseguiram prendê-lo, e, desde então, nunca mais o vi.
— Ele continua preso? — fico curioso.
— Não, ficou alguns meses e, pelo que fiquei sabendo, depois que tentou entrar em casa, foi embora para outro estado.
— Ele tem sorte por ter ido embora, senão eu iria atrás dele e lhe ensinaria como tratar uma mulher.
Eva me encara e aperta levemente a minha mão.
— Já passou, faz anos que tudo isso aconteceu.
— Savi disse que eu tinha que saber coisas sobre você. Será que era sobre isso que ele estava falando?
Eva fica surpresa com a minha revelação. Espero que não fique brava com o meu irmão.
— Savi e eu já nos conhecíamos nessa época e uma vez ele deu uma surra em Scott. Mas, no dia seguinte, Scott descontou a raiva em mim; foi quando comecei a me tatuar sem parar.
— Não entendo... — fico confuso.
— Fazia isso para esconder os hematomas. Ele geralmente batia nos mesmos lugares, evitando o rosto, já que outras pessoas poderiam ver e julgá-lo. Ele era um monstro, Ethan! — Seus olhos ficam marejados.
— Savi também comentou algo sobre eu te chamar de álbum de figurinhas, meu Deus! Perdão, Eva! Eu não imaginava que suas tatuagens carregavam tanta dor e sofrimento.
Sinto-me um verdadeiro idiota neste momento.
— Está tudo bem, amor. Como você poderia imaginar que um dia eu fui tão fraca? — pergunta, e eu a puxo para um abraço, encostando sua cabeça sobre meu peito.
— Você não é e nunca foi fraca, Eva. Saiba que te acho uma mulher incrível. A mais incrível que já conheci. Eu te amo!
Ela levanta o rosto para me olhar e, em seguida, beija meus lábios.
— Obrigada por tudo. Foi muito bom desabafar com você. Acho que agora não temos mais segredos, não é?
— Agora estamos prontos para ser felizes. Eu quero muito isso, Eva.
— Isso é o que mais quero também.
Permanecemos abraçados durante um tempo e, após todas as emoções se dissiparem, coloco o carro em movimento, pegando uma avenida movimentada, que dá acesso ao bairro onde moro.
Enquanto sentimos o vento no rosto e a bagunçar nossos cabelos, Eva coloca Bon Jovi para tocar e animar a nossa volta para casa.
Em certos momentos, olho-a de canto e vejo-a mexer os lábios cantando baixinho as letras das músicas. Os fios bagunçados pelo vento a tornam mais irresistível, e a vontade que sinto agora, mesmo estando todo fodido, é parar o carro e fazer amor com ela até ficarmos exaustos.
Evangeline é doce, mas é muito sexy. Tudo o que quero é beijar todo seu corpo, cada uma de suas tatuagens, mostrando que a dor ficou para trás e que agora só arrancarei de seus lábios gemidos de prazer.
Minutos depois chegamos a minha casa. Eva fez questão de ficar comigo, para cuidar de mim. Mais um grande motivo para amá-la loucamente.
— Ainda são dez e meia da manhã, quer comer algo? — pergunta, assim que entramos para dentro de casa.
— A senhora Smith deve ter deixado a mesa preparada. — Puxo sua mão e vamos para a cozinha. — Eu adoro essa mulher! — brinco, ao apontar para a mesa farta, com frutas, café, leite, suco de laranja, pães e alguns frios.
— É, ela é estranha, mas é eficiente — Eva sussurra e se assusta quando a mulher entra na cozinha.
— Bom dia, senhor Ethan. Está melhor? O que aconteceu com o meu menino? — senhora Smith pergunta, preocupada.
Ela trabalha comigo há mais de cinco anos e me trata como a um filho. Tenho um carinho enorme por essa mulher, sou grato por tudo que faz por mim e pelo cuidado com minha casa.
— Fui assaltado, mas estou bem, juro — minto.
— Meu Deus! — A mulher leva as mãos à boca. — Este mundo está muito violento.
— Não se preocupe comigo, senhora Smith. Estou bem melhor, e as dores diminuíram — tranquilizo-a, e ela sorri um pouco sem jeito.
— O amor cura todas as feridas, meu menino. — Olha para Eva e depois para mim. — Vou ao mercado fazer a compra do mês. Não precisa me buscar, eu pego um táxi.
— Tome, pegue o dinheiro. — Abro a carteira e entrego as notas a ela. — Eu já havia deixado separado. Tem para o táxi também. — Senhora Smith sorri e sai, deixando seu avental pendurado atrás da porta da cozinha.
Enquanto nos alimentamos, conversamos de tudo um pouco, evitando falar de nossos problemas e traumas. Há dias estamos sobrecarregados de coisas ruins, hoje só queremos viver cada segundo, com a certeza de que tudo dará certo ao final.
Assim que terminamos, a campainha toca, e eu vou ver quem é.
Savi.
Respiro fundo ao abrir a porta e encontrar seus olhos azuis me encarando tão profundamente. Sua intensidade às vezes me assusta.
— Ethan! — diz e me abraça, nitidamente preocupado.
— Sente-se — peço, mas ele nega.
— Oi, Savi. — Eva surge e cumprimenta meu irmão.
— Gente, eu preciso saber o que está acontecendo! Olha o seu estado, Ethan! O que aconteceu? Quem fez isso com você? Eu juro por Deus que, quando descobrir, vou matar essa pessoa. Ninguém encosta no meu irmão além de mim.
Rio de suas palavras. Savi é engraçado até em um momento como este.
— Eu fui assaltado — insisto em minha mentira. Eva me olha sem entender, já que eu disse que seria sincero com Savi.
— Você acha que está escrito “otário” na minha testa? — pergunta, exasperado. — Eu sei que isso tem alguma coisa a ver com aquela mulher que foi ao bar ontem à tarde. E eu vi seu desespero para encontrar Eva quando já era noite. O que está acontecendo e que estão me escondendo?
Eva e eu nos olhamos. É isso, chegou a hora de contar ao meu irmão toda essa merda. Não há mais como esconder, pois tudo está a um passo de vir à tona, ainda mais agora que entreguei provas contra Kirsty.
— Anos atrás eu me envolvi com Kirsty, a mulher que apareceu no bar ontem. — Savi presta atenção em tudo, sem tirar os olhos de mim. — Eu era jovem e estava em uma fase em que não sabia o que queria da minha vida. Faculdade, dificuldade em me relacionar normalmente com as pessoas, bem, você já sabe de tudo isso.
— Como nunca fiquei sabendo desse seu relacionamento? — pergunta, com a testa franzida.
— Eu sempre fui discreto e não queria julgamentos pela nossa diferença de idade. Ela é vinte anos mais velha que eu, e sei que isso causaria um grande impacto — respondo.
— E por que ela voltou? Faz tempo que vocês terminaram? — pergunta, e eu decido apenas contar parte da história. Simplesmente não tenho coragem de contar que era um escravo sexual e que participava de um clube privado dessa prática.
— Sim, já fazia anos que não nos víamos. Desde que assumi o bar, anos atrás. Mas aí entramos em crise ano passado. Você queria vender sua parte do bar para salvar o abrigo, então busquei ajuda financeira com Kirsty — explico, e isso não deixa de ser verdade.
— Você disse que pediria a um amigo que lhe devia um favor. Jamais pensei que era um caso antigo seu — comenta.
— E isso se repetiu quando o bar foi incendiado. Novamente pedi um empréstimo, e ela me ajudou, mas pediu que eu voltasse a me relacionar com ela em troca.
— Isso é loucura! Você se vendeu? — sua voz falha. Imagina se ele soubesse de toda a verdade?
— Não tive escolha, Savi. E aceitei voltar com ela. Só que eu nunca quis isso, fiz apenas para salvar nosso negócio, nada mais. E, depois que me envolvi com Eva, tentei colocar um ponto final em minha relação com Kirsty, mas ela não aceitou. Fez um monte de ameaças, inclusive à Eva, e, quando viu que eu não mudaria de ideia, fez isso comigo.
— Desgraçada! — meu irmão esbraveja.
— Ela é perigosa, Savi. Tem um esquema com drogas, e eu acabei descobrindo. Mais um motivo para ter feito isso, pois tentou arrancar as informações que eu tinha.
— Como você pôde se relacionar com uma pessoa assim? — pergunta e passa a mão na testa, indignado.
— Eu não sabia sobre essas coisas erradas que ela fazia, descobri sem querer e quis usar para me ver livre dela. Mas Kirsty acabou descobrindo, e aconteceu tudo isso — explico.
— Eu vou atrás dela e, quando a encontrar... — Eva se coloca em sua frente.
— Está tudo bem, amigo. Acabamos de voltar da delegacia e estão a um passo de prendê-la — diz tentando acalmá-lo.
— Você sabe que pode contar comigo para tudo, não sabe? — Savi pergunta ao se aproximar de mim.
— É claro que sei. E foi por isso que nunca quis te envolver nisso, sei que é capaz de ir até ao inferno para me defender — respondo, e ele aperta meu ombro.
— Enfrentar o Diabo é pouco perto do que sou capaz de fazer por você, irmão. — Abraça-me.
Olho para Eva, que está logo atrás de nós e nos observa em um momento tão íntimo de irmãos. Se fosse um tempo atrás, eu me sentiria incomodado, mas agora a sua presença me faz bem, faz bem ao meu coração e à minha alma.
— Preciso voltar para casa. Prometi levar Millie e Beth para almoçar fora hoje. Mas, olha, eu realmente estou do seu lado e, se precisar, vamos ao inferno juntos — reitera e caminha até a porta.
— Obrigado, Savi. — Sorrio e ele sai, fechando a porta atrás de si.
Permaneço em silêncio durante alguns segundos, processando toda a nossa conversa e me questionando se eu deveria ter contado tudo ou não. Mas acho que foi melhor assim. Por mais durão que Savi pareça ser, não aguentaria saber toda a verdade.
Meu irmão está vivendo um bom momento e não quero estragar sua felicidade. Não depois de tudo o que ele já passou. Savi enfrentou mais demônios internos do que qualquer outra pessoa que já conheci. E vê-lo tão bem me traz uma paz enorme.
— Você fez bem em não contar sobre o Círculo, Ethan. — Eva me traz à realidade.
— Adivinhou meus pensamentos. Estava justamente me perguntando sobre isso — digo e viro-me para ela, puxando-a pela cintura.
— Como está se sentindo, depois de contar praticamente toda a verdade para Savi? — pergunta.
— Estou aliviado — admito.
— Bem, acho que essa é a minha hora de ir — diz e beija rapidamente a minha boca.
— Por quê? — pergunto sem entender.
— Acho que vou até a casa do Daniel levar comida, água limpa e conversar com a mãe dele. Ele e os irmãos precisam voltar a estudar, e quero ajudar nisso — explica, e eu sorrio.
— Você é sempre tão maravilhosa assim? — Beijo seu pescoço, fazendo-a arrepiar-se.
— Só com quem merece. — Sorri e se afasta de minhas mãos. — Nós nos vemos no bar mais tarde?
— Vou contar as horas — respondo, e ela, após pegar a bolsa, vai embora.
Fico sozinho em casa, sem Eva e sem a senhora Smith, que ainda não voltou do supermercado. Então decido ligar a televisão e assistir a algo que me distraia.
Minutos depois, quando estou quase cochilando, meu celular apita. Sinto o coração acelerar quando vejo que é uma mensagem de Kirsty.
“Eva está tão bonita. Será uma pena acabar com isso.”
Kirsty achou Eva!

Tentação (Livro 3) - Série The Underwood's.Onde histórias criam vida. Descubra agora