Capítulo Quatorze

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Ethan

 
Após um dia incrível com os funcionários do bar e com meu irmão, sinto um balde de água fria cair sobre mim, ao estacionar em frente ao Círculo. Minha alegria durou pouco e agora a realidade bate à porta.
Enquanto dirigia para cá, lembrei dos momentos vividos horas atrás; em todos eles Eva estava presente. É como se ela fizesse parte de minha vida agora, e isso é uma verdade assustadora, mas é uma verdade.
A forma como ela se preocupou comigo me comoveu. Vê-la tão frágil, com os nervos à flor da pele, fez-me questionar quão envolvidos estamos.
Em que momento tudo isso aconteceu? Quando nos deixamos chegar a esse ponto? A cada dia que passa, sinto mais vontade de conversar com ela, de abraçá-la e confortá-la. Sinto que, apesar de ser eu quem precisa de ajuda, é ela que precisa de cuidados.
Aquela Eva durona, de língua afiada e olhar firme, não existe. É como se fosse uma personagem para esconder a mulher doce, de olhar meigo e sorriso fácil.
Eu adoro essa Eva, mesmo que a antiga me deixasse louco para lhe dar umas palmadas. Eu simplesmente quero colocá-la no colo e não soltar jamais.
Que sentimento é esse? Paixão? Desejo?
Qualquer que seja, nós não temos futuro juntos. Não agora que ela sabe de tudo. Não com tudo o que faço. Não posso dar esperança a ela, sendo que não posso fazê-la feliz.
Estamos condenados a reprimir nossos sentimentos, e será melhor assim. Sei que algo nasceu entre nós, e pensar nisso me apavora. Eu não posso amá-la.
Desligo o som do carro e saio, sentindo o vento da noite tocar meu rosto. Após respirar fundo, crio coragem, vou até a entrada do clube e entro após cumprimentar os seguranças com um rápido aceno de cabeça.
E é sempre a mesma coisa. As mesmas pessoas, com exceção de alguns rostos novos. Bebidas, drogas, dançarinas e luxúria. Muita luxúria.
Pessoas andando de um lado para o outro, carregando bebidas nas mãos e com os olhos brilhando de excitação.
Eu me pergunto se todos estão aqui por vontade própria e se realmente gostam de tudo isso, ou se alguns jovens vêm apenas para fugir da realidade, assim como fiz anos atrás.
Sei que alguns chegaram até aqui por pura curiosidade. Mas o que não sabem é que dificilmente se consegue sair. Entrar no Círculo é difícil, mas sair é mais difícil ainda.
Caminho para o corredor onde fica o quarto em que Kirsty está me esperando. Abro a porta e encontro-a com uma taça de vinho na mão, sentada na beirada da grande cama redonda, escutando uma música clássica qualquer.
Após entrar, fecho a porta e vou até ela. Paro em sua frente e logo fico de joelhos, pulando a parte dos cumprimentos, querendo que tudo acabe rápido. Hoje não estou com saco para aguentar seus caprichos.
— Oi, querido! — cumprimenta e me olha.
— Senhora — respondo sem olhá-la.
— Olhe para mim, meu anjo. Quero ver esse seu rosto lindo — pede e eu o faço.
Kirsty me olha por alguns segundos, enquanto bebe demoradamente, o que me faz querer gritar.
— Você está diferente, Ethan. Aconteceu algo? — sua pergunta me pega de surpresa.
— Não aconteceu nada, senhora — respondo.
— Não é o que parece... Está distante, com o olhar perdido. O que fizeram com o meu menino?
Sua pergunta me irrita. Falando assim, até parece que ela realmente se preocupa comigo.
— Eu só estava indisposto. Mesmo assim vim para satisfazê-la, senhora.
— Todos têm seu mau dia, querido. Eu, por exemplo, perdi um negócio muito importante e tive que me livrar de um problema gigante, como comentei outro dia com você.
Sinto um calafrio atravessar minha espinha. Kirsty fala como se soubesse de algo. Como se soubesse que estou ciente de toda a merda que ela fez.
— Mas tudo está se resolvendo. Estou a um passo de descobrir quem está tentando me prejudicar. Isso não é uma maravilha? — Ela me olha e sorri com sarcasmo.
— A senhora sempre consegue o quer, não é?
Kirsty se levanta e deixa a taça em cima de um criado-mudo.
— Ah, sim, querido. Eu sempre consigo o que quero. É uma pena que esteja indisposto, prometo que serei uma boa dona com você hoje. Sei que peguei pesado da última vez... — Coloca as mãos em minha cabeça e faz carinho em meu cabelo. — Levante-se e tire a roupa. Toda a roupa.
— Sim, senhora. — Faço o que ela pede.
Kirsty me olha de cima a baixo, como se fosse um animal selvagem admirando a sua presa. Então caminha até o mesmo criado, retira o celular do bolso e, após olhar para a tela, franzindo a testa, volta até mim, com um meio sorriso no rosto.
— Hoje é seu dia de sorte. Acabei de receber uma mensagem, e acho que o fim do meu problema está se aproximando. Vista-se, Ethan. Preciso ir, e você está liberado.
Sinto um misto de alívio e medo. Alívio por não ter que fazer essa merda; medo pela mensagem que ela recebeu.
Será que o problema de que ela falou tem a ver com o William? Comigo? Será que estou prestes a ser flagrado? E se ela descobrir sobre Eva?
Tento me controlar enquanto visto as roupas, tentando parecer indiferente ao que ela acaba de me dizer. Após nos despedirmos, saio rapidamente do quarto e, em poucos segundos, estou do lado de fora do clube.
Sinto que estou ferrado, e isso não é nada bom.
Entro em meu carro e, após me perguntar várias vezes se devo ou não ligar para Eva, eu o faço. Seleciono seu contato e, após três toques, ela atende.
— Ethan? — chama, enquanto permaneço em silêncio. — Você está aí, não é? Está no Círculo?
— Eva, liguei para saber se está bem — ignoro sua pergunta.
— Não sei dizer. Eu... estou com o coração apertado — responde, e eu fecho os olhos, sentindo a doçura em sua voz.
— Logo tudo acabará, Eva. E você poderá voltar a ser feliz como merece — digo, e ela suspira.
— Por que isso parece uma despedida? — pergunta, e eu engulo em seco.
— Porque, depois que tudo passar, eu sairei de sua vida para que você possa ser feliz. — Ela não diz nada, e eu continuo. — Eva, por mais que esteja acontecendo algo entre nós, no fundo você sabe que não podemos. Eu jamais poderei te fazer feliz! Então, a partir de agora, não quero nem que você participe de toda essa merda com a Kirsty. Vá viver a sua vida e esqueça tudo.
— Ethan, você não pode...
— Tudo está prestes a acabar, Eva — interrompo-a. — Durma bem, boa noite. — Desligo sem dar chance de ela dizer algo mais.
Evangeline liga algumas vezes, mas não atendo. Preciso me afastar, ainda mais agora, que sinto que Kirsty está prestes a descobrir que sei de tudo sobre ela.
Preciso afastar Eva de mim o quanto antes. Foi um erro permitir que ela se envolvesse tanto.
Acelero o carro, mas estou sem rumo, não quero ir para casa agora. Então deixo o destino me guiar pelas ruas de Seattle.
***
Paro em frente a uma lanchonete, do outro lado da cidade. Desço do carro e observo o local. Há uma placa, ao lado da porta de entrada, dizendo que servem o melhor hambúrguer de Seattle e que hoje a cerveja é em dobro. “Compre uma e ganhe outra”.
Sorrio incrédulo. Onde é que vim parar?
Mas talvez seja disso que eu precise mesmo. Um hambúrguer gorduroso e algumas cervejas para esquecer por um momento toda essa merda que minha vida virou.
Entro na lanchonete e há algumas pessoas comendo e bebendo. O lugar está cheio e, em um canto, há uma mesa de sinuca, onde alguns homens jogam e bebem.
Estreito os olhos e logo reconheço o louro alto de cabelo comprido. É Evan! Não acredito que ele está aqui. Esse mundo é mesmo pequeno.
Como se o destino quisesse rir de minha cara, Evan desvia o olhar e depara comigo, logo me reconhecendo. Ele abre um sorriso enorme e vem em minha direção, segurando um taco na mão.
— Irmãozinho! — cumprimenta, nitidamente bêbado.
— Não sou seu irmão — eu me oponho, mas ele não se abala com a amargura em minha voz.
— Aceita jogar uma partida? — pergunta e me mostra o taco.
— Não, obrigado! Vou só comer algo e ir embora.
— Ethan, você é sempre tão chato! Beba uma cerveja e relaxe! — Bate em meu ombro.
— Vai querer fazer seu pedido? — Uma moça de estatura baixa e corpo volumoso surge do outro lado do balcão.
— É melhor fazer o pedido rápido, Ethan. Essa daí é uma fera com os clientes — Evan diz, e a moça o fuzila com os olhos.
— Só com os clientes bêbados e chatos.
Sorrio com o comentário dela, e Evan faz uma careta imitando-a.
— Gostei dela — digo a Evan e volto a atenção para a mulher. — Quero uma cerveja, por favor.
— Também quer algo para comer? — pergunta, mas eu recuso.
— No momento não, obrigado.
A mulher sai após anotar o pedido, e Evan continua aqui, ao meu lado.
— Eu detesto essa mulher! Ela é atrevida demais! — comenta.
— Achei que não estivesse bebendo mais, depois que passou a cuidar de seu sobrinho — comento, e ele sorri.
— Hoje ele vai dormir com a babá. Tirei o dia de folga. Meu corpo estava implorando por um pouco de diversão. — Pisca e sorri ao ver passarem duas mulheres por nós.
— Bem, pode voltar para o seu jogo então — tento dispensá-lo.
— Acho que você também precisa se divertir, se é que me entende — insinua maliciosamente.
— E você acha que farei isso com você? — Aponto para ele, que solta uma gargalhada.
— Eu posso mostrar o caminho para isso.
— Não sei como Savi te aguenta... — digo e sorrio debochadamente.
— É porque ele é um cara legal e eu sou um cara legal. É impossível não me amar.
Reviro os olhos.
— Sua bebida, senhor. — A mulher volta e me entrega a cerveja.
Evan a olha e faz careta, enquanto ela resmunga alguma coisa, saindo para atender outro cliente.
— Acho que você está com medo de perder — fala, e eu volto a atenção para ele, após beber um longo gole da bebida.
— Perder o quê? Na sinuca? — Aponto para onde a mesa está.
— Exatamente! — Dá de ombros.
— Você é ridículo e está bêbado. Acha mesmo que não sou capaz de vencê-lo? — pergunto, e ele nega com a cabeça. — Se eu ganhar, você me deixa em paz, ok?
— E se eu ganhar? — pergunta.
— Está bem. O que quer fazer se você ganhar? O que não vai acontecer, é óbvio.
— Se eu ganhar, você terá que pegar alguma mulher daqui para dar uma relaxada, tirar toda essa tensão estampada em sua cara.
Penso por um momento, não que eu vá fazer o que ele disse. Se bem que não é má ideia.
— Vou acabar com a sua raça! — aviso e saio caminhando, ele atrás de mim.
***
Como era de se esperar, ganho a partida e comemoro com mais uma cerveja. Perdi a conta de quantas bebi enquanto jogávamos. Fizemos o melhor de três, e eu ganhei duas, enquanto ele ganhou apenas uma partida.
— Vamos lá, Ethan. Eu sei que você ganhou, mas olha aquelas lindezas que estão nos encarando. Elas são muito gostosas, é só chegar e ganhar a noite — comenta, e eu olho em direção às mulheres. Todas são realmente bonitas.
— Não era esse o nosso combinado — recordo e continuo bebendo.
— Tudo bem. Vou te deixar em paz. Valeu o jogo.
Por algum motivo desconhecido, não quero mais ficar sozinho aqui.
— Achei que ia querer uma revanche. Você é fraco, Evan!
Ele me encara.
— Quer jogar mais? — pergunta, sem acreditar.
— Só depois que eu pedir mais cervejas para nós.
Ele sorri com minha resposta.
Termino a noite bêbado, tão bêbado quanto Evan, mas admito que foi divertido tê-lo como companhia; pude esquecer um pouco dos meus problemas.
Ficamos na lanchonete até a hora de fechar e, após me despedir de Evan, entro no carro e penso se devo ou não dirigir neste estado de embriaguez. Bebi mais do que previa.
Sinto o corpo amolecer e chego à conclusão de que dormir no carro é melhor que dirigir. Sinto o celular vibrar no bolso da calça e vejo que é uma mensagem dela. Da Eva.
“John Lennon morreu.”
Uma tontura me atinge e encosto a cabeça contra o banco do carro. Não consigo fazer mais nada. Apenas sinto os olhos pesarem e apago completamente.

Tentação (Livro 3) - Série The Underwood's.Onde histórias criam vida. Descubra agora