3. O medo nos torna primitivos
Na pequena cidade chovia fortemente como se os céus desabassem sobre os charmosos telhados das casas. A cada instante aumentava mais e mais a preocupação dos pais, naquela noite só queriam encontrar seus filhos e levá-los para casa em segurança.
Era trágico, porém verídico, a primeira manchete do novo jornal da cidade — o mesmo que pertencia a família Becker — seria sobre o sumiço de Mia e a melhor amiga Nala. Em menos de duas horas que haviam ido na casa do delegado Ruschel o casal ruivo já tinha montado uma equipe para transmitir ao vivo a reportagem do desaparecimento das meninas colocando toda a cidade em alerta.
Victor por sua vez, mobilizou toda a delegacia como equipe de busca, por ele o céu podia se fundir com a terra, nada o impediria de procurar sua filha, sua única e doce Nala.
A madrugada fora trabalhosa, procuraram por todos os lugares da cidade, mas não encontraram nem sinal das meninas. Parentes e amigos iam para as ruas com lanternas e disposição atrás das adolescentes.
O namorado de Mia havia acabado de chegar das férias na casa de sua avó quando viu a manchete. Imagine só como o belo rapaz de cabelos loiros entrou em desespero, já não aguentava mais um segundo sem estar junto de Mia, planejava essa noite jogar pedrinhas na janela do quarto da moça, queria ao menos ver o rosto dela, e agora tinha mesmo que a procurar, pois ela podia estar em perigo.
Bárbara sequer pregou os olhos esperando o marido voltar da busca por sua filha, ela tinha que ficar em casa para caso as meninas voltassem. A mulher se deitou na cama da filha abraçada ao ursinho de pelúcia, o mesmo que Mia tinha desde que era um bebê, ele tinha o perfume cítrico de morango da filha.
A mulher ouviu uma movimentação na casa. Se levantou e correu para a porta de entrada. Tiago estava pingando água sobre o tapete de entrada. O casal se olhou e não foi preciso palavras, Tiago acenou negativamente com a cabeça fazendo a mulher cair de joelhos no chão da sala.
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O dia amanheceu, mas nenhum dos pais que tiveram seus filhos dados como desaparecidos dormiu. Victor estava na quinta caneca de café daquela manhã, os olhos vidrados esperando uma ligação ou coisa parecida. Ele se lembrou de algo e não pensou duas vezes antes de efetuar o pensamento e marchou para o quarto da filha.
Bárbara pareceu ter a mesma ideia que o delegado. Levantou o colchão da cama da filha e tirou o diário rosa de lá. Ela analisou cada detalhe e marchou em direção ao marido.
Tiago estava na cozinha tomando um remédio para a dor de cabeça quando se assustou com o barulho que a esposa fez jogando um caderno sobre a ilha na cozinha.
— Abra!
Tiago olhou para o diário rosa que tinha comprado para a filha no ano passado. A tranca era forte como a menina havia pedido, e pela expressão da mulher ela não tinha conseguido abrir, e muito menos achado a chave.
— Querida...
— Aí pode ter alguma coisa sobre o paradeiro dela, Tiago! — Disse com veemência apontando para o caderno — Abra logo essa merda!
Tiago assentiu indo para a garagem da casa, lá havia uma caixa de ferramentas e após uma breve procura encontrou um alicate e cortou o cadeado que protegia do diário e em seguida quebrou a tranca. Bárbara o tomou da mão do marido e correu para sala de estar, se encolheu no sofá acinzentado e abriu o caderno, estava pronta para descobrir os segredos da filha. Seus olhos corriam pelas folhas rosadas e a letra redonda da filha, cada palavra que lia seu coração parecia ir diminuindo de tamanho.
Nas folhas do diário a menina contava como se sentia sobre os pais, a forma que eles censuravam seu jeito de falar e até mesmo de rir "Ria mais baixo Mia. Está querendo chamar atenção de quem?" e contava que sentia como se suas asas fossem cortadas com facas quentes por seus pais quando falava sobre seu futuro, e por fim, como ela tinha de estar vigilante o tempo todo sobre si perto deles.
Mia tinha várias versões de si, a alegre, a boba risonha, a melhor amiga, a namorada apaixonada, a fotógrafa, e a que ela menos gostava... A versão que seus pais conheciam.
Ao chegar na última página a porta da casa fora aberta. Foi um balde de água fria ver que não era sua filha e sim o delegado Ruschel ofegante. Ele também carregava em suas mãos um diário lilás violado de sua filha.
— Aqui está — Apontou para a página do dia quinze de janeiro — Elas foram fazer fotos.
— No... — Bárbara olhou para a foto em polaroid colada na última folha do diário de sua filha cuja legenda era "Nala ficará linda no píer a céu aberto" — ...No lago Cristal? Este é o lago cristal, não é?
— Não é longe daqui — O delegado tirou o rádio do ombro convocando os policiais da área.
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Ao contrário das meninas que levaram longos segundos para encontrar o corpo boiando nas águas paradas do lago, o delegado Ruschel o viu de cara.
Não podia dizer que estava feliz por não ser sua filha, seria desumano, na verdade, Victor estava mais preocupado, se havia uma moça tão jovem nessa condição, o que garante que sua filha e a amiga não estão?
O corpo da garota estava em análise. Os arranhões pelo corpo pareciam feitos de um animal, mas a garganta claramente havia sido cortada com algum objeto, e no corpo foram encontrados sinais de abuso sexual na jovem, nada comprovado ainda, era cedo demais para afirmar qualquer coisa, mas isso deixou os pais das adolescentes em alerta.
Quanto mais sabia do caso mais perturbado o delegado ficava e se perguntava seguidamente "Onde está você Nala? Onde?"
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Nala se encontrava escondida entre alguns arbustos deitada em posição fetal abraçada aos próprios joelhos. Continuaria chorando se tivesse lágrimas, continuaria correndo se tivesse forças, e gritaria por ajuda se tivesse voz.
Por alguma razão ela começou a se lembrar de sua mãe, e a lembrança da mulher de pele negra como a sua, cabelos cacheados e um sorriso doce a acalmou. Se lembrou de como todos os domingos iam à igreja juntos, sempre os três, como seus pais viviam bem e a casa era alegre. Principalmente se lembrou de como sua mãe a defendia quando alguma criança tirava sarro de sua doença, assemelhava a mãe a um urso, aparentemente doce e afável, até que alguém mexesse com seus filhotes, aí ela se tornava impiedosa.
O que ela faria agora se ainda estivesse viva? O que ela faria se o câncer não tivesse tirado sua vida? Nala tinha certeza que a mãe já teria a encontrado, ela sempre encontrava.
Nala abandonou os pensamentos, foi obrigada a abandonar, seu corpo entrou em estado de alerta. Algo havia feito barulho na mata e ela temeu que fosse ele outra vez. Seu corpo inteiro tremeu, não só pelas roupas encharcadas que faziam seu corpo congelar de frio, mas pelo medo, ele estava a sufocando outra vez.
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Segura na mão de Deus e vai kkkkkkkkkkkkkkkkk Ai gente eu não sirvo para essas coisas tõ morrendo junto.
E cadê a Mia?
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