— Fisht! — gritou Linden, batendo com o joelho na porta da frente do consultório por causa das mãos ocupadas. — Acorda, Fisht!
As luzes do andar de cima continuaram apagadas. Impaciente, o inspector ajoelhou-se o melhor que pode com o corpo da criança nos braços e afastou o vaso de plantas mortas na esquina do alpendre. Em seguida, retirou uma placa do chão que imitava a pedra do mesmo e destapou um painel, no qual inseriu um código numérico de 10 dígitos. Segundos depois, a porta na qual tinha estado a bater abriu com um click e o inspector apressou-se a recolocar a tampa e o vaso no sítio antes de entrar no edifício.
O interior estava escuro, mal dando para ver mais do que poucos metros à frente do nariz.
— Luz!
Todas as luzes do teto daquele andar acenderam, iluminando a sala de espera onde Linden se encontrava e as salas de exames para lá dela.
Sem cerimónias, o inspector avançou até a uma sala lateral no fundo do corredor, mesmo de frente para as escadas que conduziam ao andar de cima. Enquanto Linden colocava o corpo sobre a mesa central e ligava luzes e aparelhos, um reboliço e um estrondo vindos do andar de cima preencheram o ambiente do consultório, sobrepondo-se aos sons mecânicos e eléctricos das máquinas.
— Quem é que pensas que és para entrares aqui a estas horas? — perguntou uma voz rouca minutos depois.
Linden parou de programar a máquina de diagnósticos universal (MDU) e encarou o homem careca na ombreira da porta.
— Eu dou-te um formulário para apresentares queixa mais tarde. Agora preciso que percebas se está vivo ou morto.
Os olhos do cirurgião-mecânico caíram no corpo infantil deitado na mesa abaixo do sensor de diagnóstico. Esquecendo a sua fúria e o mau humor por ter sido acordado a meio da noite por um homem que não respeita horários de sono, Fisht avançou para o terminal da MDU.
— Nem sabes se está vivo? É humano, androide ou ambos?
— Não faço ideia, Jay. Estava desmaiado no beco que eu uso para chegar a casa. Pela posição em que estava e pelo facto de que não estava lá hoje de manhã, deduzo que se estiver morto, morreu há pouco tempo.
Jay Fisht encolheu os ombros enquanto tomava o seu lugar ao computador do outro lado da sala.
— Sabes que não gosto nada quando me trazes cadáveres para a autópsia — confessou com um suspiro. — Mas mais alguns segundos e ficamos a saber se preciso, ou não, de apresentar queixa desta vez.
O cirurgião-mecânico era médico tanto de humanos como de androides e cyborgs, estes dois últimos reconhecidos como habitantes da República há poucas centenas de anos. Dedicava-se a curar os vivos mas, dada a sua formação profissional, a esquadra no fim da rua pedia-lhe ocasionalmente que substituísse o patologista de serviço.
— Devia era mudar-me — sibilou Jay por cima do som das máquinas em funcionamento. — Teria menos trabalho, mas pelo menos conseguia dormir noites inteiras....
Fisht deu uma volta na cadeira e olhou o ecrã do computador à sua frente quando este emitiu um ruído que indicava que o diagnóstico estava completo.
Linden estava a examinar o objeto que tinha apanhado do chão junto ao corpo enquanto pensava, pelo que se assustou quando o colega caiu da cadeira de repente com um estrondo capaz de acordar a vizinhança inteira.
— Que os cães do Império me mordam....
578 palavras
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Aquilo que o inspetor Linden encontrou no caminho para casa ✔
Short StoryA guerra é um acontecimento terrível. Mesmo que esta acabe, as cicatrizes e os danos que servem como prova da sua existência ficam bem visíveis por décadas. Já faz quase um século que a guerra entre o Império e a República terminou, mas as cidades f...