II.

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— Fisht! — gritou Linden, batendo com o joelho na porta da frente do consultório por causa das mãos ocupadas. — Acorda, Fisht!

As luzes do andar de cima continuaram apagadas. Impaciente, o inspector ajoelhou-se o melhor que pode com o corpo da criança nos braços e afastou o vaso de plantas mortas na esquina do alpendre. Em seguida, retirou uma placa do chão que imitava a pedra do mesmo e destapou um painel, no qual inseriu um código numérico de 10 dígitos. Segundos depois, a porta na qual tinha estado a bater abriu com um click e o inspector apressou-se a recolocar a tampa e o vaso no sítio antes de entrar no edifício.

O interior estava escuro, mal dando para ver mais do que poucos metros à frente do nariz.

— Luz!

Todas as luzes do teto daquele andar acenderam, iluminando a sala de espera onde Linden se encontrava e as salas de exames para lá dela.

Sem cerimónias, o inspector avançou até a uma sala lateral no fundo do corredor, mesmo de frente para as escadas que conduziam ao andar de cima. Enquanto Linden colocava o corpo sobre a mesa central e ligava luzes e aparelhos, um reboliço e um estrondo vindos do andar de cima preencheram o ambiente do consultório, sobrepondo-se aos sons mecânicos e eléctricos das máquinas.

 — Quem é que pensas que és para entrares aqui a estas horas? — perguntou uma voz rouca minutos depois.

Linden parou de programar a máquina de diagnósticos universal (MDU) e encarou o homem careca na ombreira da porta.

— Eu dou-te um formulário para apresentares queixa mais tarde. Agora preciso que percebas se está vivo ou morto.

Os olhos do cirurgião-mecânico caíram no corpo infantil deitado na mesa abaixo do sensor de diagnóstico. Esquecendo a sua fúria e o mau humor por ter sido acordado a meio da noite por um homem que não respeita horários de sono, Fisht avançou para o terminal da MDU.

— Nem sabes se está vivo? É humano, androide ou ambos?

— Não faço ideia, Jay. Estava desmaiado no beco que eu uso para chegar a casa. Pela posição em que estava e pelo facto de que não estava lá hoje de manhã, deduzo que se estiver morto, morreu há pouco tempo.

Jay Fisht encolheu os ombros enquanto tomava o seu lugar ao computador do outro lado da sala.

— Sabes que não gosto nada quando me trazes cadáveres para a autópsia — confessou com um suspiro. — Mas mais alguns segundos e ficamos a saber se preciso, ou não, de apresentar queixa desta vez.

O cirurgião-mecânico era médico tanto de humanos como de androides e cyborgs, estes dois últimos reconhecidos como habitantes da República há poucas centenas de anos. Dedicava-se a curar os vivos mas, dada a sua formação profissional, a esquadra no fim da rua pedia-lhe ocasionalmente que substituísse o patologista de serviço.

— Devia era mudar-me — sibilou Jay por cima do som das máquinas em funcionamento. — Teria menos trabalho, mas pelo menos conseguia dormir noites inteiras....

Fisht deu uma volta na cadeira e olhou o ecrã do computador à sua frente quando este emitiu um ruído que indicava que o diagnóstico estava completo.

Linden estava a examinar o objeto que tinha apanhado do chão junto ao corpo enquanto pensava, pelo que se assustou quando o colega caiu da cadeira de repente com um estrondo capaz de acordar a vizinhança inteira.

— Que os cães do Império me mordam....

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Aquilo que o inspetor Linden encontrou no caminho para casa ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora