III.

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Linden encarou Fisht, que fixava o relatório de diagnóstico com os olhos arregalados.

— O que foi? 

O inspector Brittia guardou o objeto no bolso e aproximou-se, colocando a mão  no ombro de Jay para espantar o seu choque. Este colocou-se de pé com um salto felino e puxou do ecrã do computador o esquema do corpo da criança na sua mesa de observação, projetando uma representação detalhada em holograma.

— Nunca tinha visto um ao vivo... — murmurou, perdido em pensamentos.

— Um quê? 

Fisht não respondeu e fez zoom na zona torácica do holograma, analisando o pedaço que apresentava uma cor mais escura que o resto da projeção.

 — Um humanoide — respondeu depois de estudar o holograma, precipitando-se para o corpo na mesa.

Linden arrepiou-se com a menção. Para ele, humanoides eram coisas de lendas. Contudo, olhar para o diagnóstico da MDU não deixava margens para dúvidas, já que havia tanto de humano como de máquina naquele rapaz. Aquilo era tecnologia que precedia a guerra com o Império, e que tinha sido banida por inúmeras razões — sendo a maior delas o facto de serem um verdadeiro meio termo entre humanos e androides. Ao passo que os cyborgs são humanos que precisam de peças mecânicas para substituir partes do corpo que deixaram de funcionar, os humanoides eram androides que necessitavam de partes humanas na sua criação. Segundo diziam as más línguas, era para poderem ter uma alma e personalidade própria. 

Fisht agarrou uma tesoura para cortar a camisola preta que cobria o corpo do seu paciente.

— Está vivo? 

— Está quase morto, para dizer a verdade. Os órgãos humanos já deixaram de funcionar há anos, mas os órgãos artificiais do circuito complementar ainda estão operacionais, apesar da fuga no cabo de alimentação lateral. 

O cirurgião-mecânico cortou a camisola negra, expondo o peito liso coberto de pele sintética, tão realista ao ponto de ninguém ser capaz de dizer que aquilo não era humano na sua essência. Contudo, antes de trocar a tesoura por um laser que abrisse o peito do humanoide, Jay parou o movimento das mãos sobre o tecido.

— Toma! — disse, atirando o que restou da camisola para as mãos de Linden. — Vê isso. Era um dos nossos.

O inspetor Brittia percorreu o tecido negro com os dedos até sentir o relevo do antigo brasão da República. Nos tempos da guerra era costume usar identificações discretas como aquelas, especialmente entre os espiões.

— Vês-me o holograma outra vez? — pediu Fisht, com as mãos dentro do peito do humanoide.

Linden pousou o tecido e aproximou-se da projeção.

— O que queres que procure?

Jay resmungou de frustração antes de esguichar alguma coisa para o campo cirúrgico.

— Sabes qual era a particularidade dos humanoides usados na guerra que os tornava os espiões perfeitos?  Aquilo a que chamam de Diário de Memória — disse, sem dar tempo a Linden de responder à pergunta formulada. — Sim, tinham mais força ou agilidade que nós ou os androides e camuflavam-se perfeitamente em qualquer exército porque pareciam humanos até ao mais ínfimo detalhe. Porém, eles eram verdadeiramente extraordinários porque tinham a capacidade de armazenar memórias fora do seu próprio corpo. O indivíduo deixava de ser importante para transmitir informação fidedigna. Desde que se tivesse o Cérebro Externo, os soldados podiam ser descartados.

— Útil mas...

— Condenável.

— Exato. — Linden olhou o colega. — Queres que veja se ele ainda tem Cérebro Externo com ele?

Líquido foi projetado em todas as direções antes do Fisht começar a selar a fenda que tinha feito no peito do humanoide com aparência de criança.

— Por favor. Deve estar na base da nuca.

Linden apertou o objeto no bolso com uma mão e fez zoom na zona indicada.

— Pelo holograma... não está no corpo dele. Mas não te preocupes — Jay olhou para o inspetor com desconfiança e Linden dirigiu-lhe um sorriso pretensioso ao retirar o que escondia no bolso. — Porque acho que o tenho comigo. É isto, não é?

672 palavras

Aquilo que o inspetor Linden encontrou no caminho para casa ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora