IV.

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Fisht arregalou os olhos enquanto limpava as mãos num pano.

— Linden, eu era capaz de te beijar neste momento!

— Eu agradecia que não o fizesses — respondeu o inspetor Brittia ao entregar o pequeno dispositivo ao amigo. — Mas isso é o Cérebro Externo, certo?

Jay levou-o a uma lupa.

— Em comparação aos que havia na faculdade da Capital... acho que sim. Não há garantias que seja o dele, mas pelo menos é um. — O cirurgião-mecânico voltou-se para Linden. — Só estudei os humanoides na faculdade por razões puramente históricas... Nunca pensei que fosse ter um deles no meu consultório!

Linden olhou o corpo deitado na mesa.

— Como é que ele está?

Jay colocou o Cérebro Externo em cima da mesa e dirigiu-se a um armário.

— Estável. Não me parece haver nada de errado com os órgãos artificiais, por isso acho que está vivo. O problema é que o meu conhecimento da anatomia e da fisiologia de humanoides é limitado. Não sei se e quando é que vai acordar. — Fisht pendurou 2 contentores num suporte da MDU e ligou-os ao corpo. — Vou dar-lhe sangue e fluídos,  pelo sim, pelo não. Só espero que nada tenha mudado na constituição dos fluídos dos androides no últimos 70 anos, se não vamos ter problemas.

Linden apanhou o Cérebro Externo da mesa e os dois seguiram para apartamento no andar de cima.

— Café?

— Não, obrigado. — O inspector sentou-se no sofá, rodando o objeto nos dedos. — Esta coisa consegue dizer-nos o porquê do humanoide ter saído do buraco agora, ao fim de tanto tempo?

— Duvido. Isso só deve ter memórias mais antigas.

— Presumo que tenha sido por já não ser capaz de sobreviver muito mais tempo lá dentro, mas gostava de confirmar...

O inspector Brittia ficou silencioso por uns momentos. Podia reportar à Capital as suas descobertas, mas alguém do Departamento Interno tirá-lo-ia do caso num piscar de olhos e ele nunca mais voltaria a ver o humanoide e o Cérebro Externo, ou sequer ouviria sobre os novos avanços naquela investigação.

A curiosidade que tinha em relação àquele mistério era já tão grande que quase lhe fazia urticária. Tinha de manter aquilo em segredo. Felizmente, confiava o suficiente num punhado dos seus colegas para considerar distribuir-lhes tarefas. Precisava de alguém que conseguisse desenterrar os relatórios do que aconteceu aos últimos humanoides durante e depois da guerra e de outra pessoa para investigar o buraco de onde a criatura saiu.

— Dá para aceder ao conteúdo? — perguntou, levantando o objeto no ar.

Jay bebeu um grande golo do seu café fumegante.

—  Se me arranjares tecnologia de há 70 anos atrás, sou capaz de conseguir qualquer coisa. — O médico foi ao escritório pessoal e voltou depois com livros e cadernos de apontamentos. — Os Cérebros Externos têm um sistema de proteção com palavra passe para impedir que as informações caiam nas mãos erradas, mas o nosso exército desenvolveu contra-medidas para conseguir extrair o conteúdo dos Cérebros dos espiões do Império. Vai levar tempo, mas com algumas horas de estudo e o equipamento certo, sou capaz de conseguir ver as memórias aí guardadas sem deixar que o mecanismo de defesa corroa isso com o ácido que está aí dentro.

Linden roubou uma caneta e um bloco de notas do monte sobre a mesa à sua frente.

— Faz-me uma lista. Eu arranjo-te o que conseguir.

Jay obedeceu.

— Claro que tudo isto seria muito mais fácil se o humanoide acordasse e nos dissesse a palavra que permite aceder às memórias.

O inspector trocou o Cérebro pelo pedaço de papel.

— Não me parece que tenhamos essa sorte. — Linden levantou-se do sofá. — Volto daqui a umas horas. Não abras a porta do teu consultório a mais ninguém.

— Nem precisas de mo dizer. Só volto a trabalhar quando chegarmos ao fundo disto.

O visitante assentiu e saiu da casa do amigo com se fosse apenas uma sombra.

668 palavras

Aquilo que o inspetor Linden encontrou no caminho para casa ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora